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TUDO ATUAL E MUITO PRESENTE

Segue trecho de carta do poeta, romancista e musicólogo Mário de Andrade (Mário Raul de Morais Andrade, 1893 - 1945) para o poeta e professor Alberto de Oliveira (Antônio Mariano Alberto de Oliveira, 1857 - 1937), em 1924, descrevendo o movimento modernista de 1922: "Estamos reagindo contra o preconceito da forma. Estamos matando a literatice. Estamos acabando com o domínio da França sobre nós. Estamos acabando com o domínio gramatical de Portugal. Estamos esquecendo a pátria-amada-salve-salve em favor duma terra de verdade que vá enriquecer com o seu contingente característico a imagem multifacetada da humanidade. [...] Estamos fazendo arte muito misturada com a vida." O poeta e professor Alberto de Oliveira figura como líder do parnasianismo brasileiro - escola literária que se desenvolveu na poesia a partir de 1850, na França, com o objetivo de retomar a cultura clássica - na famosa tríade Alberto de Oliveira, Raimundo Correia e Olavo Bilac. O parnasianismo caracteriza-se pela sacralidade da forma, pelo respeito às regras de versificação, pelo preciosismo rítmico e vocabular, pelas rimas raras e pela preferência por estruturas fixas, como os sonetos. O poeta e professor Alberto de Oliveira (foto) deve ter ficado “atual e muito presente” com as “literatices” e o “pátria-amada-salve-salve” da carta enviada pelo Mário de Andrade. Na dúvida, talvez: puto da vida!

João Scortecci


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NOITE ILUSTRADA E A TIPOGRAFIA DO LICEU CORAÇÃO DE JESUS

O Liceu Coração de Jesus é uma instituição da Congregação dos Salesianos, localizada no bairro dos Campos Elíseos, na região central da cidade de São Paulo. Foi fundado por Dom Bosco (João Melchior Bosco, 1815 - 1888), com o auxílio de Dona Isabel, princesa imperial do Brasil, no ano de 1885, com o nome de “Liceu de Artes, Ofícios e Comércio”. Inicialmente, o Liceu teve como primeiros alunos os filhos de escravos libertos e de imigrantes italianos, oferecendo ensino gratuito em oficinas profissionalizantes de sapataria, alfaiataria e artes gráficas. Foram alunos do Liceu: Antero Greco, Carvalho Pinto, Franco Montoro, Fulvio Stefanini, Grande Otelo, Jânio Quadros, José Carlos Pace, Laudo Natel, Rodolfo Mayer, Mário Travaglini, Toquinho, Noite Ilustrada e outros. Vez por outra - mudando de rota - volto para casa, de carro, subindo a Av. Rebouças, pelo caminho do Rio das Pacas (Pacaembu), até o bairro de Higienópolis, onde moro. Não sei de quem foi a “genial” ideia de homenagear o cantor, compositor e violonista Noite Ilustrada (Mário de Souza Marques Filho, 1928 - 2003) com um túnel na cidade de São Paulo. Quando iluminado - de dia ou de noite - ilustra a cidade, descortina o céu escuro, quebra o inesperado, freia o tempo veloz, desacelera as dores da vida e chama a poesia. Dizem que o pseudônimo “Noite Ilustrada” foi dado pelo ator e poeta Zé Trindade (Milton da Silva Bittencourt, 1915 - 1990), que comandava, na cidade de Além Paraíba, Minas Gerais, a revista musical “Noite Ilustrada”, onde o jovem Mário de Souza Marques Filho começou a sua carreira de violonista. Noite Ilustrada deixou dois álbuns tributos inéditos, um em homenagem a Ataulfo Alves e outro a Lupicínio Rodrigues. Noite Ilustrada morreu no dia 28 de julho de 2003, aos 75 anos de idade. Não descobri - ainda - no que o poeta “Noite Ilustrada” profissionalizou-se, quando, então, aluno do Liceu Coração de Jesus. Vez por outra, no caminho da volta, o céu fica um breu total, tomando conta do túnel de tudo: noite vazia de estrelas, lâmpadas queimadas e fios roubados.    

João Scortecci


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O ELO DA CRIAÇÃO NA INDÚSTRIA GRÁFICA

Nos dois últimos editoriais para a Revista Abigraf, escrevi sobre democracia e política industrial. Encerro o assunto, no editorial de hoje, tratando especificamente da escassez de mão de obra qualificada para a indústria gráfica brasileira e mundial e também da carência de mão de obra indireta, de apoio à produção, como a manutenção de máquinas e equipamentos.

Segundo pesquisas e depoimentos de empresários gráficos, o problema é gravíssimo, capaz até de frear o crescimento da “nova” industrialização, levando ao atraso, à estagnação tecnológica e à ineficiência dos processos de produção. O problema atinge não só as grandes gráficas, mas também as médias e pequenas empresas da arte de imprimir.

Depois dos anos 1970, o País passou por um processo de desindustrialização feroz e criminoso. Esqueceram que ela, a indústria, representa o processo dinâmico e virtuoso de uma economia próspera, aquela que agrega valores ao produto – e a toda a cadeia produtiva – , criando, com responsabilidade, o maior número de empregos qualificados. A diminuição do peso da indústria de transformação no PIB – como vem ocorrendo no Brasil e em outros países emergentes – criou um tipo perigoso de dependência, uma vez que todos, ricos e pobres, consomem produtos industriais com mais qualidade e em quantidades cada vez maiores.

Com a pandemia da Covid-19 e suas trágicas consequências sociais e econômicas, os países industrializados perceberam o erro que haviam cometido e iniciaram, prioritariamente, políticas governamentais de apoio e investimentos para uma “nova” industrialização, edificada nos pilares da tecnologia, da qualidade e da sustentabilidade. A forte retomada industrial após a pandemia expôs o elo fraco da cadeia produtiva: a escassez de mão de obra qualificada para trabalhar nesse novo contexto. 

O termo “mão de obra”, como se sabe, designa o emprego manual direto na produção industrial. As empresas, a cada ano, têm mais dificuldades para preencher vagas desse tipo. Estima-se que, até 2030, a escassez atingirá 85 milhões de vagas em aberto, em todo o mundo. Mesmo que a robotização ocupe esse vácuo industrial – isso acontecerá, não há dúvidas – ficará faltando, no todo, no diferencial, o elo da criação e da arte de imprimir, o magma do espírito humano e sua singular natureza. 

Somente o ser humano poderá continuar escrevendo e imprimindo no tempo suas ideias e valores, sua própria história. O desafio é, portanto, continuarmos ocupando, com a inteligência, o trabalho e a sabedoria do espírito de Gutenberg, os espaços do passado, do presente e do futuro.  

João Scortecci

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MUITO ALÉM DO JARDIM: ENQUANTO AS RAÍZES NÃO FOREM ARRANCADAS!

O filme “Being There” (Muito além do jardim, 1979), do gênero comédia dramática, escrito por Jerzy Kosinski, dirigido por Hal Ashby, com o ator e comediante inglês Peter Sellers (Richard Henry Sellers, 1925 - 1980) está na minha lista dos 15 melhores filmes de todos os tempos. Peter Sellers interpreta Chance, um homem de meia idade que trabalhou a vida toda como jardineiro e que tem na televisão o único contato com o mundo. Ele não sabe ler e nem escrever, não tem carteira de identidade e nunca andou em um automóvel. Após a morte de sua mãe - no parto - foi adotado por um senhor, chamado na história de "O Velho". Quando seu patrão morre, Chance é obrigado, então, a deixar a casa - não havia nenhum testamento e nenhum registro da sua existência. Ao deixar a casa, carregando uma pequena mala, chapéu e bengala, é atropelado pela limusine da rica senhora Benjamin Rand, esposa de um influente magnata, que acaba se tornando seu amigo e confidente. A partir daí, tudo o que Chance fala – sobre jardinagem e televisão – e, até mesmo quando ele se cala, passa a ser interpretado como algo sábio e genial. As pessoas acham que ele está usando metáforas ao falar de jardinagem quando perguntado sobre economia. Desfecho: a senhora Benjamin Rand se apaixona por ele e com a morte do marido, Chance assume o seu lugar e seus negócios milionários. Torna-se, ainda, conselheiro pessoal do presidente dos Estados Unidos. A mensagem que fica sobre Being There: “Num jardim, há tempo certo de cultivar. Há primavera e o verão, mas também o outono e o inverno. E depois a primavera e o verão outra vez. Enquanto as raízes não forem arrancadas, tudo está bem e terminara bem”. Filme recomendada e sempre atual. Peter Sellers está simplesmente “maravilhoso”. A título de curiosidade segue minha lista dos 15 melhores filmes de todos os tempos: "Muito além do jardim", "Poderoso chefão", "2001 - Uma odisseia no espaço", "Blade Runner", "Assim caminha a humanidade", "Indiana Jones", "Tempos modernos", "Apocalypse Now", "A primeira noite de um homem", "Butch Cassidy", "O Império dos sentidos", "Avatar", "ET - O extraterrestre", "Guerra nas estrelas" e "Cidadão Kane". 

João Scortecci


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HISTÓRIAS DA CIDADE MINEIRA DE ESMERALDAS

Mineiro é uai e desconfiado que só ele. Custoso! A história é da boca do povo. Quem me contou - maravilhosamente bem - foi o escritor e crítico literário mineiro Fábio Lucas. Histórias de Esmeraldas, sua cidade natal, localizada na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Segundo o “bom mineiro” três coisas são vistas a olho nu da lua. São elas: as muralhas da China, a foz do rio Amazonas e o brilho da cidade de Esmeraldas. Não faço desfeita. E mais: a história dos irmãos gêmeos “Tomorto” e “Tovivo”, nascidos em Esmeraldas, na metade do século passado. “Tomorto” e “Tovivo”, populares e queridos por todos. Por azar do destino o “Tovivo” morreu, assim, do nada. De entojo. Comeu algo ruim e bumba: deu nó nas tripas e caiu morto, nos pés do Cristo do Morro do Mirante. O assunto - repentino e inesperado - “engoliu” toda a cidade luz. Depois de muita murrinha e bateção de lata, o bispo, o prefeito, o Juiz e os políticos da cidade, decidiram, então, promover uma consulta popular - um plebiscito, para decidirem o que fazer. Na cédula - com carimbo da igreja e rubrica do prefeito - as trenzeiras da dúvida. Duas opções: Inverter os nomes dos gêmeos - Tomorto passaria a se chamar Tovivo e vice versa ou, então, divinamente, tentar ressuscitar o Tovivo. E assim foi decidido. O plebiscito aconteceu num domingo de sol e festa. No dia da apuração - juiz, prefeito, padre, imprensa e povo - presentes, veio à surpresa, na hora da contagem dos votos: todos as cédulas estavam em branco! Lasqueira de trem custoso! Alguém, do povo, então, justificou: "Melhor assim. Vai que ganha no voto e ter que ressuscitar o Tovivo?" Melhor não arriscar, né? Arreda! Tomorto viveu até os 100 anos. A desconfiança de mineiro fica logo ali, no brilho de Esmeraldas e no coração do povo. E não adianta apiar de aflição. Beagá que aguarde a vez de piar. Esmeraldas sabe das coisas! 

João Scortecci


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A POESIA E O PAPEL

Não existe vácuo na natureza e nem na poesia! Ando “me-descascando-me” inteiro, por dentro e por fora, nos vácuos parciais do branco do papel. Sofrendo de polissacáridotite aguda, nas juntas, nos músculos, nas veias, nos ossos, no sangue e nas fibras da vida. Doença orgânica, hidrogênica e cruel. Assim é a poesia. Sinto que estou no abismo de dor, de nova interação intermolecular. Minha alma clama - grita, talvez – pelo alívio, pelos paliativos dos verbos e dos versos do vácuo, imperfeitos. Sinto que estou prestes a cometer um novo poema, outro livro, com as brevidades e as imperfeições do hoje. Minha natureza abomina o vácuo do branco do papel: passageiro, reciclável, sustentável e eterno. 

João Scortecci


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JESUS, O MESSIAS E A BIENAL DO LIVRO DE SÃO PAULO DO ANO DE 1998

Em tempos de bienais do livro, tudo pode acontecer! Histórias não faltam. A Scortecci participa das bienais paulistas desde 1994, quando o evento ainda acontecia no Pavilhão do Parque do Ibirapuera. O evento já circulou nos espaços do Anhembi, Expo Center Norte, Imigrantes e agora, para 2024, no novo Anhembi. Na Bienal de 1998, na gestão do editor e gráfico Altair Ferreira Brasil como Presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), eu era Diretor-Adjunto e fazia parte da comissão organizadora da Bienal. No primeiro sábado do evento, dia de maior público, fui abordado no corredor central da feira por um homem de cinquenta e poucos anos, baixo, magro, de óculos “fundo de garrafa", carregando uma pasta surrada, tipo 007. “Você é o Scortecci?”. “Sim.” “Podemos conversar em particular?”, perguntou-me. Ele falava baixo, quase sussurrando. Achei o sujeito estranho, com perfil de adoidado e respondi. “Pode dizer aqui mesmo. Está ótimo". Ele me olhou fixamente, olhos vidrados, mantendo os braços agarrados na pasta 007. Pensei: deve estar carregando uma bomba, algo assim. Vez por outra, durante as bienais do livro, a CBL recebe denúncias anônimas de bombas nos banheiros, no estacionamento ou nas bilheterias do evento. Ameaças não faltam. “Qual o seu nome?”, perguntei. Ele não respondeu. "O que você quer?", insisti. Ele, então, puxou-me pelo braço, com força, e sussurrou no pé do meu ouvido: “Eu vi Jesus, o Messias!”. “Que privilégio! E o que o Messias lhe contou?”, quis saber, curioso. O homenzinho, então, abriu a pasta 007 e tirou de dentro dela um maço de folhas de papel, amassadas, escritas a mão, amarradas com barbante. “Você vai ter que ler o livro! Quero um contrato de edição de 1 milhão de exemplares!”, sentenciou. Tirou da pasta um documento e acrescentou: "Antes, por favor, assine esse termo de confiabilidade e sigilo”. "Você é doido?", protestei. Furioso, perguntei: "Posso saber quem indicou o meu nome?". Ele não respondeu. Pedi, então, o número do seu telefone, com a falsa promessa de ligar, logo após o término da feira. Anotou o número do telefone num pedaço de papel, colocou-o no bolso do meu paletó, deu meia-volta e entrou, velozmente, no estande da editora Rocco, em frente. Escafedeu-se! Até hoje, quando reencontro o editor Paulo Rocco, pergunto-me, em silêncio: “Será que o homenzinho conseguiu entregar os originais do livro para o Paulo Rocco?”. Desconfio que não. Depois da estranha conversa, vindo dos céus e dos anjos, o mago Paulo Coelho adentrou no estande da Rocco, cercado por seguranças e uma multidão dos infernos, indo em direção ao espaço reservado para autógrafos. Jesus, o Messias, aguardava, pacientemente, na fila dos imortais. Eu, talvez assustado, decidi continuar andando, a esmo, pelas ruas de livros e gritos, no posto de diretor de plantão, da comissão da Bienal do Livro do ano de 1998.

João Scortecci

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PETRICOR E O CHEIRO DE POESIA DA TERRA

Petricor, sangue dos deuses, aroma terroso que a chuva provoca ao cair em solo seco. O termo foi criado em 1964 por dois pesquisadores australianos, Bear e Thomas, para um artigo na Revista Nature. No artigo, os autores descrevem como o aroma deriva de um óleo produzido por certas plantas durante períodos de seca, que é então absorvido pela terra e por pedras argilosas. Durante a chuva, o óleo desprende-se no ar - juntamente com outro composto - a geosmina - composto orgânico produzido por microrganismos como bactérias e fungos - produzindo um cheiro característico. Em 2015 cientistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) utilizaram câmeras que gravam em alta velocidade para entender melhor como o odor é liberado quando pequenas gotículas de água colidem com a terra. O nariz humano é sensível à geosmina e aos cheiros da terra. Os humanos apreciam o cheiro da chuva, o perfume das palavras de amor, os segredos de Petricor, da deusa que sangra lá fora e chove poesia. 

João Scortecci


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QUEM MORRE DE VÉSPERA É PERU

No início dos anos 1980, o economista Eugênio Gudin (Eugênio Gudin Filho, 1886 - 1986), era, até então, o nome do diretório acadêmico da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Mackenzie e nada mais. O Google ainda não existia (criado, bem depois, no ano de 1998) e as enciclopédias da época, as disponíveis, Barsa, Delta-Larousse e outras, não gostavam muito de publicar biografias de gente viva, mesmo tratando de pessoas conhecidas, populares e famosas. Um risco! Eugênio Gudin - considerado um economista liberal - viveu 100 anos e três meses. Foi ministro da Fazenda entre setembro de 1954 e abril de 1955, durante o governo de Café Filho e diretor-geral da “Great Western of Brazil Railway”, por quase trinta anos. Em 1944, o então ministro da Educação, Gustavo Capanema Filho (1900 - 1985), designou Gudin para redigir o Projeto de Lei que institucionalizou o curso de economia no Brasil. Nesse mesmo ano - 1944 - foi escolhido delegado brasileiro na Conferência Monetária Internacional, em Bretton Woods, nos Estados Unidos, que decidiu pela criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (IBRD), instituição ligada à ONU com o objetivo de promover o desenvolvimento econômico e social. Em 1983, uma emissora de TV, em cadeia nacional, erroneamente, noticiou a sua morte. A notícia era falsa! A emissora pediu desculpas, horas depois, mas já era tarde. A notícia espalhou-se, rapidamente. Professor Gudin viveu, ainda, mais três anos e alguns meses, batendo a incrível marca dos 100 anos. Chico Anysio, Renato Aragão, Silvio Santos, José Carlos Garbuglio, Gugu Liberato, Ratinho, Vanderlei Luxemburgo e outros, também passaram pelo constrangimento de morrerem antes da hora. Comigo aconteceu uma única vez e a experiência, confesso, não foi nada agradável. No dia 22 de março de 2013, no melhor dos meus 53 anos de idade, atendi dezenas de ligações na editora perguntando sobre o local do meu velório, do quê eu havia morrido, etc. Infarto? Acidente de carro? Perguntavam. Passei o dia - ao telefone - dizendo que estava “vivíssimo da silva”. As duras penas, descobri que quem havia morrido, de fato, havia sido o escritor, jornalista e acadêmico João de Scantimburgo (João de Scantimburgo Filho, 1915 - 2013). Caos total! O que eu aprendi - de inútil - com o mal-entendido: desmentir algo, mesmo em tempos de Internet e redes sociais, dá muito trabalho. “Ué, você não morreu?” Mas, o pior, aconteceu no sábado, na manhã do dia seguinte, da minha - pseudo - morte. Uma mulher - até hoje não identificada - ligou na minha residência e disse: “Já foi tarde!” Depois, desligou o telefone. Isso, talvez, explique a minha vontade de continuar vivendo, desbragadamente. Aqui com os meus ossos: quem morre de véspera é peru!    

João Scortecci


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FIGUEIREDO PIMENTEL E A "BELLE ÉPOQUE" CARIOCA

O poeta, cronista, jornalista, tradutor e autor de literatura infantil Alberto Figueiredo Pimentel (1869 – 1914), nasceu em Macaé, conhecida como a Capital Nacional do Petróleo, município do estado do Rio de Janeiro, distante, aproximadamente, 190 quilômetros da capital. Figueiredo Pimentel manteve por muitos anos, desde 1907, uma seção chamada “Binóculo” na "Gazeta de Notícias", periódico carioca, fundado por Manuel Carneiro, José Ferreira de Araújo e Elísio Mendes, que circulou de 1875 e 1956, chegando a ser um dos principais jornais da capital federal durante a Primeira República. Estreou na literatura, em 1893, com o livro de poesias, de nome “Fototipias”, no sentido de fotografias, imagens, instantâneos, clichês, retratando, então, a “Belle Époque” carioca. É autor da máxima: “O Rio civiliza-se”, slogan que até hoje, ilustra, o espírito carioca. Figueiredo Pimentel obteve grande sucesso entre leitores e leitoras, ditando moda. É considerado o primeiro cronista social da capital. Fototipia na artes gráficas é um processo fotomecânico de impressão que utiliza uma chapa de vidro coberta de gelatina. A técnica foi bastante utilizada nas oficinas de artes gráficas, no início do século XX. Figueiredo Pimentel, publicou, ainda, os livros: “Histórias da avozinha” (conto, 1952); “Histórias da Carochinha” (1894); “Livro mau” (poesia, 1895); O aborto, estudo naturalista (romance e novela, 1893); “O terror dos maridos” (romance e novela, 1897); “Suicida” (romance e novela, 1895) e “Um canalha” (romance e novela, 1895). Morreu jovem, aos 45 anos de idade, no dia 5 de fevereiro de 1914.

João Scortecci



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AFONSO SCHMIDT, REVISTA PAN E A LITERATURA INFANTIL DOS ANOS 1930

O jornalista, contista e romancista Afonso Schmidt (1890 – 1964), um anarquista de carteirinha, nasceu na cidade de Cubatão, litoral de São Paulo, em 29 de junho. Fundou ainda jovem o jornal Vésper e fez parte da redação dos importantes periódicos libertários, A Plebe e A Lanterna, ao lado de figuras lendárias do movimento anarquista brasileiro como Edgard Leuenroth e Oreste Ristori. Escreveu para os jornais Folha e O Estado de S. Paulo. Na cidade do Rio de Janeiro, fundou o jornal Voz do Povo, que veio a se tornou o órgão de imprensa da Federação Operária. Foi preso – várias vezes - por expressar o que pensava e combateu o fascismo e o clericalismo, através de panfletos ou de livros, peças teatrais e artigos de jornais. Recebeu os prêmios: Machado de Assis (1942) e Prêmio Juca Pato (1963). Sua obra mais conhecida é “São Paulo de Meus Amores”, seleta de crônicas sobre a cidade, lançada em 1954, nas comemorações dos 400 anos de São Paulo. Publicou mais de 40 livros, entre eles "O Menino Filipe" (romance), "A Vida de Paulo Eiró" e "São Paulo de meus Amores" (crônicas), "O Tesouro de Cananéia" (contos) ou "A Primeira Viagem" (autobiográfico). Afonso Schmidt, também, durante alguns anos, foi colaborador da Revista Pan (1935 - 1945), semanário, de propriedade do meu avô materno, o editor e gráfico José Scortecci, assinando a coluna “A Nossa Estante” sobre livros e tendências do mercado livreiro. Em 26 de dezembro de 1935, Ano 1 – Número 1 – página 40, de PAN, escreveu: “Estamos no período em que a literatura para crianças alcança a maior difusão. Em São Paulo, principalmente, a venda desses livros apresenta aspecto bastante animador. Há autênticas feiras de livros de histórias (...). Cada vitrina de livraria é, com certeza, um deslumbramento para os pequenos leitores. Observa-se, porém, que esse gênero literário tão delicado, tão fino, onde há mundos novos a explorar, não encontra facilmente adeptos (...). Os que produzem há vinte anos são os que ainda hoje produzem, salvando minguadas exceções. O fundo da literatura infantil ainda é constituída pelos velhos Perrault, Lebrun, Conego Schmidt e o formidável Andersen. A literatura para criança parece alheia às leis da oferta e da procura (...). Afonso Schmidt morreu no dia 3 de abril de 1964, aos 73 anos de idade. 

João Scortecci


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PAVILHÕES AURICULARES DO CAPETA

Outro dia – lendo um poema vampiresco de um vate da área da medicina – encontrei a expressão “pavilhão auricular”, parte externa e cartilaginosa da orelha. Quando criança – isso lá no Ceará dos anos 1960 – chamávamos “pavilhão auricular” de “caracol do capeta”. Algo assim. Mamãe Nilce adora puxá-las e torcê-las, sem dó ou piedade. Menino danando! Dizia sempre. Puxava e depois, docemente, ameaçava: “No banho, lava as orelhas!” Um dia puxou com tanta força as minhas orelhas que fiquei mouco e com zumbido nas ideias. Mamãe, então, zelosa e preocupada, levou-me num otorrino, da Fundação J. Macedo, onde papai Luiz trabalhava, na época. “Doutor o menino ficou surdo!” Disse. O médico – especialista em pavilhões, caracóis e música sertaneja – pegou uma pinça e puxou de dentro dos meus ouvidos chumaços de algodão. “Pronto” Disse. Aqui confesso: desde então, assustado, passei a lavar – dia sim, dia não – os meus caracóis auriculares. É dessa época, também, o uso regular, nos pavilhões do capeta, de hastes flexíveis, cotonetes Johnson & Johnson. Hoje, conferindo a lista dos aniversariantes do dia, vi que Michael Tyson, um dos maiores boxeadores peso-pesado de todos os tempos, nasceu no dia 30 de junho. Parabéns! Tyson - é o que dizem - é fissurado, apegado - em orelhas. Tarado mesmo! Lembro do dia, em 1996, que mordeu e arrancou um pedaço da orelha do também boxeador, Evander Holyfield. Alguém na arena gritou: “Engole, engole! E Tyson, em transe, cuspiu fora, frutando milhões de vampiros telespectadores que assistiam a luta. Histórias não faltam! No manual “Caracóis do Capeta”, a máxima: “Morder e puxar, depois assoprar e cuspir!”. A título de curiosidade, em termos técnicos, orelhas normais, não vandalizadas, medem de 5,5 a 6,5cm de comprimento x 3,0 x 3,5cm de largura. E com amor: pior ainda!

João Scortecci



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O ASTERÓIDE 5020 E AS LEIS DA ROBÓTICA

Gosto de ler tudo sobre robôs. Mania antiga, desde a época que li, pela primeira vez, o livro o "Eu, Robô", coletânea de contos do escritor russo Isaac Asimov (1920 – 1992), mestre da ficção cientifica. É dele as quatro Leis da Robótica: 1 - Um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal; 2 - Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que entrem em conflito com a Primeira Lei. 3 - Um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou Segunda Leis e 4 - Um robô não pode causar mal à humanidade ou, por omissão, permitir que a humanidade sofra algum mal. Hoje no UOL dei de cara com uma foto de um robô sorridente, experiência japonesa, coberto com pele viva, criado a partir de células humanas, aplicada a um robô para fazê-lo sorrir de uma forma “realista”, mas assustadora. Os pesquisadores da Universidade de Tóquio usaram um "gel carregado de células formadoras de pele". Especialistas em robôs bio-híbridos - é o que diz a matéria do UOL - esperam que um dia esta tecnologia seja utilizada para criar andróides com aparência e capacidade similares aos humanos. Acho - opinião de poeta e nada mais - que os robôs deveriam ter - sempre - aparecia de robôs. Máquinas! Sinto que a “coisa” anda indo por caminhos estranhos e logo teremos robôs iguais e semelhantes a humanos. Outro dia conversei com Isaac Asimov sobre o assunto. Propus, até, uma quinta Lei da robótica. Um robô não pode ter feições humanos! Algo assim. Asimov fez cara feia, mais prometeu pensar no assunto. Quando? Perguntei. Depois que voltar de férias do espaço, do seu asteróide 5020. Aqui com as minhas inquietações: acho que Elon Musk, o bilionário dono do X, anda copiando as tentações de Asimov. Em tempo, pelo WhatsApp: Asimov esquece tudo!      

João Scortecci


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OLEGÁRIO E A DEFESA QUE NINGUÉM PASSA

Tornei-me Palmeirense em 1972, no feriado do dia 1º de maio, quando conheci numa loja de discos da Rua das Palmeiras, Santa Cecília, quase em frente ao Lord Palace Hotel, um grupo de jogadores da Sociedade Esportiva Palmeiras. Eram eles: Cesar Maluco, Edu Bala, Nei e o zagueiro Luis Pereira. Eles estavam “concentrados” no hotel, aguardando o jogo contra o time do Guarani Futebol Clube, de Campinas, pelo Campeonato Paulista. Na época, recém chegado em São Paulo, Eu, Maria Esther Mendes Perfetti (hoje editora do selo infantil Pingo de Letra da Scortecci) e seu irmão Eduardo Perfetti, já falecido, frequentávamos o grupo de jovens da paróquia da Igreja de Santa Cecília e a loja de discos, era parada obrigatória antes e depois das reuniões. "Vocês vão ao jogo?" Pergunta do centroavante César Maluco para o nosso grupo. “Vamos!” Respondi. Quem disse isso? Eu. Tinha, na época, 17 anos de idade e São Paulo era um incrível mundo de novidades e oportunidades. Naquele dia inesquecível, tornei-me Palmeirense e fui, pela primeira vez, assistir a um jogo de futebol no Parque Antártica. O Palmeiras ganhou o jogo de 1 x 0, gol de cabeça do atacante Madurga, aos 20 minutos do segundo tempo. Estádio lotado. Sentamos no lado leste do estádio, hoje Allianz Parque, entrada pela Rua Francisco Matarazzo. Coincidência ou não, no mesmo lugar, aproximadamente, onde hoje, depois de 52 anos, tenho cadeira. Em campo fiquei de olho num jogador incrível, que parecia flutuar no gramado. Mágico. Divino. Seu nome: Ademir da Guia. Ao seu lado, incansável e marcador, Dudu (Olegário Tolói de Oliveira, 1939 – 2024). A dupla marcou a história da primeira academia de futebol do Palmeiras. Hoje, sábado, 29 de junho, acordo e fico sabendo da morte, aos 85 anos de idade, do Dudu, o Olegário. Na foto Dudu e Ademir. Acho que eles nasceram assim: únicos e eternos. Juntos! 

João Scortecci


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O PÔSTER DA MODELO “ROSE DI PRIMO” DO CAMBUCI

A modelo Rose Di Primo (Rosimary Souza Primo) tem - praticamente - a minha idade. Ela nasceu em 1955 e eu, no ano de 1956. Não a conheço pessoalmente. O ator, diretor e produtor David Cardoso (1943), conhecido no cinema brasileiro como o Rei da “Pornochanchada” ficou de nos apresentar, isso durante uma filmagem de rua, no Bar Biroska, de propriedade da amiga e empresária da noite, Lilian Gonçalves, filha do inesquecível Nélson Gonçalves. Não deu certo. Era dia de uma “externa” nas esquinas das ruas Canuto do Val e D. Veridiana, em Santa Cecília. David Cardoso estava enlouquecido e pelo pouco que entendo de filmagens “nada estava dando certo”. Guardo num depósito da editora um “caminhão” de “histórias”, que venho acumulando desde criança. Vez por outro vou lá e volto no tempo. Coleciono de tudo: documentos, livros, diários, convites, selos, maços de cigarro, fotos, álbuns de figurinhas, ingressos, A epopeia do Tri (Copa de 1970, no México), revistas Status, Playboy, O Cruzeiro, recortes sobre a vida do John Kennedy (1917 – 1963), chegada do Homem à Lua, flâmulas e o pôster da inesquecível e belíssima Rose Di Primo. Ela, de biquíni, pilotando uma moto. A foto da deusa – paixão de uma geração inteira - correu o mundo e foi capa de várias revistas. Ganhei o pôster de um “borracheiro” do Largo do Cambuci. Pneus de carro, naquela época - tinha um Passat branco -, furavam “muito”. Aproveitava o tempo de espera do conserto do pneu para ficar "babando" o pôster da Rose Di Primo. Lembro-me, que ela, uma vez, sorriu e piscou o olho pra mim. Raimundo, o dono da borracharia, preocupado com a minha paixão, véspera do dia do meu aniversário, disse-me: “Leva o pôster. É seu!” Foi o que fiz.

João Scortecci


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BILINGUISMO DE ORWELL E O MAIOR LIVRO DO MUNDO

Bilinguismo: o que é isso? A definição é polêmica. Os dicionários o definem como a qualidade “daquele que fala dois idiomas”. Hoje, estudiosos, são unânimes em afirmar: bilinguismo é muito mais que isso e deve ser “entendido” como o indivíduo que - concomitante - é fluente em dois ou mais algoritmos, em todos os campos do conhecimento. Lendo sobre bilinguismo literário, encontrei a seguinte definição: Bilinguismo é a capacidade de exercer tanto a leitura rápida cobrada pelos meios digitais, quando for o caso, a leitura profunda, exigida para pensar direito e fruir de tudo aquilo que um bom texto oferece. Um ser humano - médio - recebe hoje nos vários dispositivos que acessa, aproximadamente, 34 gigabytes de informação num único dia, o equivalente a um romance de 100 mil palavras. A título de curiosidade, o livro “1984”, do escritor, jornalista e ensaísta inglês George Orwell (Eric Arthur Blair, 1903 - 1950), possui 65 mil palavras. Quase, portanto, 1,3 de 1984, por dia. 44,2 gigabytes de George Orwell, num piscar de olhos. O maior livro impresso do mundo foi publicado Alemanha, “O livro do universo mais denso” (“Das buch des dickste universum”), editado pela Zeitgeist Media GMBH, que reúne textos e desenhos feitos por crianças num concurso realizado pelo Ministério Federal dos Transportes da Alemanha. O livro mede quatro metros, tem 50.560 páginas e pesa 220 quilos. Detalhe: a obra pode ser encomendada em qualquer livraria da Alemanha, pela bagatela de 9.999 Euros. Na cotação do dia (25.06.2024): 5,78 x 9.999 = R$ 57.794,22 Reais.

João Scortecci


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PAPAI LUIZ, AS QUADRILHAS JUNINAS E O CEARÁ DOS ANOS 1960

O meu primeiro amor foi platônico. Quando a vi, pela primeira vez, meu coração subiu feito balão de São João. Tinha 11 anos de idade. Apaixonei-me, de vez, quando o cupido nos colocou de par, para dançarmos juntos, a quadrilha. “Eu?” “Você mesmo.” Foi assim. Quadrilha – na infância dos anos 1960 no Ceará – era mania e ainda é, nos meses de junho e julho, no Nordeste brasileiro. Trejeitos: Camisa xadrez, lenço no pescoço, remendos nas calças, chapéu de palha e bigodinho feito com carvão de rolha queimada. Pronto. Papai Luiz era o organizador de tudo. Comandava os ensaios, gritava a quadrilha, cuidava da fogueira, imprimia no mimeógrafo a álcool os convites e a programação da noite. Animadíssimo! Fogueira, bandeirinhas, fogos de artifício, balões e muita comida: milho verde cozido, paçoca, pé de moleque, canjica, arroz doce, batata doce, pudim de leite, pamonha e aluá de abacaxi. A quadrilha é uma dança folclórica – dançada em pares. A origem da quadrilha está relacionada à forma de dançar do “country dance” da Inglaterra, por volta do século XVIII. Com a Guerra dos Cem Anos, essa maneira de dançar foi compartilhada na França, região da Normandia. A chegada da quadrilha ao Brasil ocorreu por meio tanto da vinda da Família Real Portuguesa, em 1808, quanto por escravizados europeus, que vieram ao Brasil, após a Lei Eusébio de Queirós (lei n.º 581/1850), promulgada no Segundo Reinado e que proibia a entrada, no Brasil, de africanos escravizados. A quadrilha segue um roteiro fixo – até hoje o mesmo, com poucas modificações – e encena a realização de um casamento forçado, pela honra da moça, desonrada e grávida. Personagens da quadrilha: noivos, pais dos noivos, padrinhos, delegado de polícia, padre e convidados. Depois do casório, sempre com o sermão do padre, começa, então, a festa, com a dança e a comilança: apresentação, entrada no salão, aos pares, noivos na frente, seguidos de pais, padrinhos, casais, delegado e, no final da fila, por último, o padre. Passos: “caminho da roça”, “cumprimento”, “olha a chuva”, “damas ao centro”, “coroa de rosas”, “coroa de espinhos”, “olha o túnel”, “olha a cobra”, “caracol”, “cavalinho” e “grande roda”. Meu pai, Luiz, deixou saudade e grandes lembranças. Na família, tento substituí-lo, manter a tradição. Sou eu hoje na família quem "grita" a quadrilha e, travestido de padre, prego aos pares o “Sermão da Moita”, encruzilhada do amor onde tudo um dia começou: atrás da moita! Quanto ao meu primeiro amor: disse-lhe: Eu gosto de você! E ela, ruborizada, saiu correndo em disparada, pulou a fogueira, subiu no balão,  e nunca mais voltou. Escafedeu-se!

João Scortecci


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GALILEI E A ERUDIÇÃO DA MENTIRA

Acordei - solenemente - renegado de crenças e opiniões. Eu e o astrônomo Galileu Galilei. O que dizia mesmo o bilhete do Santo Ofício? Perguntei. Para eu descrer e abjurar das ideias, algo assim. De todas elas? Sim. De todas! E de uma em especial. De que a terra não é o centro do universo. É negar - solenemente - ou então morrer queimado na fogueira das vaidades. Galilei, você está abduzido? Possuído? O que mais você disse na audiência? Nada de mais, apenas bobagens. Disse que a Terra gira ao redor do sol e que ela não é o centro de nada, além da desgraça humana. Não acredito! Galilei, você é um exibicionista. Um incontido!  O que faço agora? Perguntou-me. Quer um conselho de poeta: vai lá e descrer tudo! Diga que estava doente, com febre. Com dengue, algo assim. Mentir está - sempre - na moda! Ou melhor: diga que é tudo culpa da sapiência dos livros. Sapiência dos livros? Sim. Pega carona na onda da vez: censurar autores e livros! Virou febre. E se o estratagema não funcionar? Você morre na fogueira, simples assim! Vira carvão! Diga que foi excesso de conhecimento inútil. Cansaço. Bebedeira de vinho ruim, qualquer coisa. Tentação do capeta! Diga-me: Quer salvar o pescoço ou não? Quero! Então vai lá e alega loucura temporária. E mais: nada de assinar delação premiada! E depois “rasga” o bilhete e some, solenemente, do mapa. Abjura! Abjura! Que horas são? 4h15. Cedo, ainda. Deita e dorme. 

João Scortecci


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CACOETES: NÃO HÁ NADA DE RUIM QUE NÃO POSSA PIORAR

O tique nervoso ("cacoete") é um movimento súbito, rápido, inesperado e repetitivo. Os tiques podem persistir durante toda uma vida – é o meu caso - e ser um obstáculo profissional e social para uma pessoa. O movimento decorre de contrações musculares que podem se manifestar de várias formas, tais como: piscar sem propósito, fazer careta, torcer o pescoço e fungar o nariz. Listei quatro deles – a lista é grande – apenas aqueles que me afetam até hoje, desde a adolescência. O primeiro deles – torcer o pescoço – apareceu quando eu tinha pouco mais de dez anos de idade. Mamãe, então, levou-me ao médico, um renomado especialista em cacoetes. Um curador de cacoetes! Algo assim. Quando entramos no consultório, percebi, de imediato, que o médico tinha um cacoete, deveras interessante. Para quem não sabe cacoete pega, igual vírus. Confesso: pensei em “levar” ou “compartilhar”, depois, pensando melhor: desisti. O médico abanava os braços como uma ave, batia os dois braços, mais o direito, tentando – talvez - alçar voo. Mamãe Nilce – assustadíssima – quis dar meia volta. Eu que insisti e pedi para ficarmos. Gostei dele! Mamãe, então, listou o meu histórico de cacoetes. Nem precisava: eu já havia torcido o pescoço meia dúzia de vezes, e ele – Dr. Maurílio – batido asas, três ou quatro vezes, no mínimo. Mamãe Nilce falou feito uma matraca, sem parar, nervosa. Uma pilha. Depois, cansou. Calou-se. Dr. Maurílio, então, pacientemente, examinou-me: olhos, nariz, ouvidos, boca, língua e pescoço. Disse: “Aparentemente está tudo em ordem com o moço”. Explicando: “Os cacoetes são um mistério. O tempo dirá o futuro!” Dr. Maurílio recomendou-me, então, praticar esporte, dormir 8 horas por dia, boa alimentação e manter a cuca fresca. Mamãe Nilce perguntou: “Nenhum remédio?” “Não.” Até hoje os tiques não sumiram, e mais: outros três apareceram do nada, antes de completar 20 anos de idade. Na saída do consultório mamãe Nilce protestou: “Dr. Maurílio, o cacoete do menino é muito feio: fica levantando os ombros, torcendo a cabeça, estalando o pescoço, horrível.” Dr. Maurílio, sabiamente, batendo asas, já impaciente com minha mãe, aconselhou-nos: “D. Nilce, o cacoete do menino não é dos piores.”. Um conselho de quem convive com o problema: “Livrar-se de um cacoete é sempre algo perigoso!”. “Corre-se o risco de trocar um cacoete aceitável por outro muito pior!” Sentenciou. “Veja o meu caso: eu estalava os dedos e puxava as orelhas. De tanto a minha mãe implicar, comecei,  do nada, da noite para o dia, a bater os braços, feito uma galinha pondo ovos.” Justificou. Mamãe puxou-me pelo braço – à força –, concluindo, aos céus: "Esse médico é louco!" E fomos embora, pisando forte. Lendo sobre o assunto a explicação é que os cacoetes não têm origem apenas em fatores psicológicos. Existe uma associação entre fatores genéticos e psíquicos e, na maioria das vezes, costumam surgir associados a sintomas de ansiedade, depressão, problemas de atenção, concentração e hiperatividade. Hoje, quase 60 anos depois daquela consulta, administro – carinhosamente – os meus quatro cacoetes: piscar os olhos, fazer careta, torcer o pescoço e fungar o nariz. Gosto deles! Desde então, sigo, religiosamente, os conselhos do Dr. Maurílio, um especialista entendido em cacoetes: “Não há nada tão ruim que não possa piorar.”

João Scortecci


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SHERLOCK HOLMES E O POETA INCOMPLETO

Mesa com um pé pequeno, torto ou quebrado: não se sustenta! Cai. Mesas e cadeiras são ferramentas poderosas: acomodam, amparam, acolhem, ajudam, sempre. Não gosto de mesas vazias, sem história alguma. Acho estranho: incomoda, muito. Vou lá - desavisado de tudo - e coloco algo em cima. Depois sossego! No quadro 1 da estampa temos a TV soberana, espaçosa, reinando no espaço. Gosto de TVs, nada contra. O livro - coadjuvante – aparece como peça de sustentação, de equilíbrio e serviço útil. Funciona, Nada contra, também. Já fiz isso algumas vezes. No quadro 2 da estampa a cena é outra. Inverte-se! A TV vira pé de mesa e o livro, então, passa a ser o personagem principal da trama. Aparece aberto, poderoso, único, ocupando todo o centro da mesa. Mensagem subjetiva, talvez: Desliguem a TV e leiam o livro! Algo assim. Nada contra, também. Para quem não sabe, vivo do negócio do livro: lendo, escrevendo, editando, imprimindo e comercializando. Faço isso desde 1978. Adoro livros: lidos, não lidos, renegados, salvos, recolhidos, empilhados, sujos e pedidos. Meu amor por eles é canino: por mim levaria todos para o meu mundo! O quadro 2, confesso, deixou-me inquieto, perturbado, olhando com a teimosia de um vate inconformado com tudo que vê. Nada contra a estampa. Longe disso. O coração, então, resfolegou: pena pela mesa que teve outro pedaço de sua perna amputada, dor pela TV - traída, enganada e humilhada - e, mais do que tudo: angustia pela solidão do livro. Soberba? Talvez. Lendo o livro “O incrível livro de enigmas de Sherlock Holmes”, coletânea inspirada no maior detetive do mundo, do Dr. Gareth Moore (Pé de Letra Editora), encontrei - abri o livro e li - uma possível “solução” para resolver o engodo. Usando a imaginação da cabeça: abri a caixa de ferramentas da bike, catei dentro uma extensão de 3 metros e liguei, simples assim, a TV na tomada. Relaxei, confesso. Olhando depois, um imaginário quadro 3, a cena ficou assim: Mesa funcional, acolhedora, gentil, livro aberto, convidativo, interessante, pedindo para ser lido e TV ligada, possivelmente num canal de futebol. Enigma para Sherlock Holmes: foi encarar os olhares - passivos, frios e indiferentes - do marcador de páginas, parecia uma serpente venenosa de língua no ar e da caneca de café, cuspindo fumaça. Faltou um óculos. Algo mais? Tentei argumentar explicando, inutilmente: vocês são coadjuvantes, ilustram a cena, completam o poema, intelectualizam o espaço. De nada adiantou. Então o enigma: "Watson, um experimento mental para você - disse Holmes, um dia. Quero que você use sua imaginação e imagine-se em uma ilha deserta. Uma remota, onde não há chance de alguém vir resgatá-lo. E você tem que descobrir como escapar." Solução do enigma: "Você simplesmente para de imaginar!" Foi o que fiz. 

João Scortecci              


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