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PAPAI SABE TUDO E O GOOGLE

Sou doido, mas não sou louco! No máximo, um ogro enlouquecido, algo assim. Pesquisa feita pelo Instituto Britânico: “Crianças preferem o Google aos pais para tirar dúvidas. Até aí, nenhuma surpresa. Eu já sabia. O Google substituiu com propriedades as enciclopédias: Barsa e Britânica. O que assusta na pesquisa do Instituto Britânico é que 34% das crianças do mundo não acreditam que seus pais sejam capazes de ajudá-las a fazer o dever de casa e 14% não acham seus pais inteligentes. Confesso, sem remorso: Não fui capaz de ajudar – suficientemente - meus filhos quando crianças com a lição de casa. Motivo maior, talvez: impaciência masculina, algo assim. Ocupei-me - deveras - com a contação de histórias e causos “mirabolantes” que escutei do meu Pai Luiz e do meu Avô Batista. Fiz isso, até o dia que minha filha Patrícia - esperta que só ela - disse-me: “Pai, você está inventando!” Então, desisti, de vez. Hoje, tento fazer o mesmo - contar histórias - para os meus netos, sem sucesso. Passei? De volta à pesquisa: Fiquei cabreiro - mesmo - com o tal dos 14% que não acham seus pais inteligentes. Não ouso perguntar-lhes. Já disse: sou doido, mas não sou louco! Aqui cabe o que mamãe Nilce dizia sempre: “Santo de casa não faz milagre!”. E pensar que a pesquisa do Instituto Britânico é do ano de 2012. Doideira, né? Hoje, já deve ter passado dos 80%, pensar que os filhos do Google não acham seus pais inteligentes. Deveriam? Sobre a foto do post, “Papai Sabe Tudo” (Father Knows Best), seriado de televisão estado-unidense, de muito sucesso. No Brasil, foi transmitido na década de 1960, pela TV Tupi, estrelada pelo ator Robert Young, no papel de Jim Anderson, um pai simpático e sabichão de uma família “feliz”. 

João Scortecci


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AZEITE DE OLIVA, ÂNFORAS E O LIVRO DAS TENTAÇÕES

Uma ânfora: ainda não tenho – um dia, quem sabe – compro, ganho de presente ou, então, afano. Já surrupiei um livro! Não faz muito tempo. A epopeia aconteceu no último encontro de editores, livreiros, distribuidores e gráficos, em Atibaia, evento organizado pela CBL. Vi o livro e o coração resfolegou. Subiu nas alturas! Desejo incontrolável. “Quero o livro!” Disse. “Quanto?” Perguntei. “Não está a venda”. Foi o que escutei. Não gosto da palavra “não”. Ninguém gosta. “Vou então passar a mão!” Avisei. Risos, desconfiados. Foi o que fiz, perdidamente. Reencontrei o dono do livro – um editor - no último encontro da ANL, no Anhembi, em São Paulo. “Conheço você!” Disse-me. Agradeci. Já furtei, às escondidas: uma coca-cola família, de um caminhão de entrega de bebidas, uma lata de suspiros da minha avó Sarah e 3 bolinhas de time de botão, da Loja Lobrás, da Praça do Ferreira, no Ceará dos anos 1960. E nada mais. Pouco? Talvez. Ânforas são vasos confeccionados em barro ou terracota, de forma ovóide - quase sempre – de duas alças simétricas. A palavra "ânfora" vem do latim amphora, que por sua vez é derivada do grego amphoreus, uma abreviação de amphiphoreus, palavra composta combinando amphi- ("nos dois lados", "duplo") e phoreus ("carregador"), do verbo pherein ("carregar"). Lendo um post da escritora e amiga Betty Vidigal, no Facebook, sobre o Monte Testácio (Monte dos cacos), colina artificial construída na cidade de Roma durante os séculos I e III d.C., resolvi pesquisar e escrever sobre o assunto. O monte dos cacos formou-se por acumulação de fragmentos de ânforas. O monte abrange uma área de 20.000 m² na sua base e atinge 40 metros de altura. Situava-se dentro da Muralha Aureliana, conjunto de muralhas erguidas em Roma, entre 271 e 275, durante o reinado dos imperadores romanos Aureliano e Probo. A muralha englobava todas as Sete Colinas de Roma, além do Campo de Marte e do distrito do Trastevere, na margem esquerda do rio Tibre. O monte, composta por restos de cerca de 26 milhões de ânforas, sobretudo de azeite de oliva procedentes de lugares como a Bética, Tripolitânia, Gália e outros. As ânforas chegavam ao porto de Roma e lá eram esvaziadas, quebradas em pedaços e depois, depositadas - ordenadamente - no Monte Testácio. Visitei a Muralha Aureliana, em Roma, no ano de 2008. E o Monte Testácio? Não existia, até então. Roma é assim: kalunga - lugar sagrado - de almas e histórias. Deve ter sido por lá – no sol de outra encadernação – que depositei, desavisado de tudo, minha ânfora com azeite, palavras e livros.    

João Scortecci


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PALATINA, MACHADO DE ASSIS E OS EPITÁFIOS

A Antologia Palatina é uma coleção de poemas, a maioria epigramas, escritos durante os períodos clássico e bizantino da literatura grega. Os poemas são curtos, de dois a oito versos no geral, escritos para serem gravados em inscrições em lápides ou votiva. O Epigrama é uma composição breve, poética e satírica, que expressa um único pensamento principal. Popularizou-se como “epitáfios” quando colocados sobre objetos, estátuas, mausoléus, lápides ou tumbas. Os "sobre a tumba" são geralmente gravados em placas de metal ou pedra. Epitáfios de famosos: “Se eu não vivi mais, foi por que não me deu tempo.” (Marquês de Sade); “Estive bêbado muitos anos, depois morri” (Scott Fitzgerald); “Voltarei e serei milhões.” (Evita Perón); “Fê-lo da maneira difícil.” (Bete Davis); “O melhor ainda está por vir.” (Frank Sinatra); “Os filósofos têm interpretado o mundo de várias maneiras. O ponto, contudo, é mudá-lo.” (Karl Marx). Eu já tenho o meu epitáfio (sempre é bom lembrá-lo) e que façam – por favor - a vontade do morto: “Faço da minha vida de livros um poema sem-fim.”

João Scortecci

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IRMÃ DULCE: ANJO BOM

Os epítetos - qualificação elogiosa ou injuriosa dada a alguém - nascem no céu e também no inferno. Alguns são espinhos, estigmas de flor, cicatrizes! Chagas cruéis e injustas. Carrapatos, que grudam na pele e não largam da presa, por nada deste mundo. Exemplos: D. Maria, a Louca; Nicolau, o Sanguinário, Calígula, o Infame. Outros são raízes, árvores, pássaros do céu: Castro Alves, Poeta dos escravos; Rui Barbosa, Águia de Haia; D. Manuel, o Venturoso, Ricardo, Coração de Leão; Pedro II, o Magnânimo; Chacrinha, O Velho Guerreiro; Simon Bolívar, Libertador; Raul Seixas, o Maluco Beleza; Luiz XIV, Rei do Sol; Alexandre, o Grande. Lendo a biografia da baiana Irmã Dulce (Maria Rita de Sousa Brito Lopes Pontes, 1914 – 1992), tomei ciência do seu belíssimo epíteto: Irmã Dulce, O Anjo bom da Bahia.  Irmã Dulce, em 16 de maio de 2023, foi incluída no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, através da lei nº 14 584. O Livro de Aço, criado em 1992, abrigado no Panteão da Pátria, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, reúne protagonistas da liberdade e da democracia, que dedicaram sua vida ao país em algum momento da história. 

João Scortecci


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CADELA LAIKA, SPUTNIK E OS ALENÍGENAS DO PASSADO

Foi no ano de 1962, numa noite de estrelas no céu e histórias de alienígenas, que fiquei sabendo da epopeia da cadela Laika e do Sputnik 1, satélite artificial posto em órbita ao redor da Terra pela União Soviética, em 4 de outubro de 1957. “É verdade Pai?” Tinha, na época, 6 anos de idade e queria ser astronauta. “Não estou vendo nada!”. Protestei. “Pai, satélite brilha igual estrela?”. Papai Luiz, então, pacientemente, contou-me o que sabia, o que havia lido na Times, revistas de notícias, publicada nos Estados Unidos, desde 3 de março de 1923. Contou-me a história da cadela Laika e sua viagem ao espaço. Fiquei maravilhado! Anos depois - já morando em São Paulo - fiquei sabendo que a cadela Laika havia morrido queimada e sem oxigênio, logo após o lançamento do satélite. Chorei, confesso. Os Russos, até então, já haviam lançado 5 outros Sputniks ao redor da Terra. No Ceará dos anos 1960, depois do jantar, levávamos cadeiras do terraço para a calçada da rua, e lá ficávamos. Televisão chegou depois, bem depois, e a vida de caçar estrelas do céu, satélites russos e alienígenas – que nunca apareceram – ficou no tempo, no esquecimento, na infância. Vez por outra, ainda, penso na cadela Laika, queimada, sufocada, sem oxigênio, perdida no inferno do espaço sideral. 

João Scortecci


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DENÉBOLA, REGULUS E O CÉU DE CRIANÇA

Criança de cabeça que voa acredita em tudo! Acredita em bruxa do céu, Papai Noel e até em Saci Pererê. Eu tinha pouco mais de quatro anos de idade e já sabia que era do Signo de Leão. Nasci no dia 2 de agosto, às 4 horas da manhã. É verdade mãe? Perguntei. Durante minha infância no Ceará, isso nos anos 1960, brincava de Rei da Selva. Foi numa noite de boca cheia e céu limpo, que avistei, pela primeira vez, Denébola. É aquela ali? Apontei. É. A do rabo de felino que se movimenta feito cobra de luz no céu. Não vejo nada! Protestei. Filho, imagina a fera na sua cabeça que ela aparece! Liga os pontos do céu. Foi o que fiz. Está vendo aquela outra estrela de brilho maior? Estou. Respondi. Ela é uma estrela Alfa e se chama Regulus. Na verdade são quatro estrelas irmãs: juntas! Dizem que são os dentes do Leão. É verdade mamãe? Insisti. Mamãe riu. Parecia feliz. Naquela época a bruxa do céu contava histórias e fazia previsões sobre o fim do mundo!  Depois do clarão da noite: difícil dormir! Criança de cabeça que voa acredita em tudo. Hoje sinto saudade de Denébola, de Regulus e do infinito do céu. Voltar na infância? Sempre. Fechei, então, a janela do quarto e fui, morrer, finalmente. 

João Scortecci

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ANAGRAMAS DO CEARÁ

Gosto dos anagramas! Já colecionei. Anotava num caderno de capa de cor abóbora, um por página. Eu o perdi, acho. Um anagrama é uma palavra ou frase formada pela reorganização das letras de outra palavra ou frase, sem adicionar ou omitir nenhuma letra. Lembro de alguns: "Amor-Roma", "Pedra-Perda" e "Iracema", anagrama da palavra "América". Iracema é um termo tupi que significa "saída de mel, saída de abelhas, enxame". Na obra "Iracema - Lenda do Ceará", o escritor cearense Alencar (José Martiniano de Alencar, 1829 – 1877), criou uma explicação poética para as origens de sua terra natal. A "virgem dos lábios de mel" tornou-se símbolo do Ceará, e seu filho, Moacir, com o colonizador português Martim Soares Moreno (1586 – 1619), representa o primeiro cearense. Gosto de pensar que nós cearenses somos “anagramas”, inversão de letras e palavras. Somos sentidos diversos, direções e caminhos, de todos os mundos, ventanias e jangadas de vento e sol. Somos histórias e poesias. Martim Soares Moreno, Capitão-mor do Ceará, em 1631, escreveu uma carta para Felipe III, Rei da Espanha, de Portugal e dos Algarves, chamada "Relato do Ceará", sobre o nascimento do Ceará. Certidão de nascimento! Sobre o caderno de capa de cor abóbora eu o perdi, talvez. Anagrama da saída do mel, do gozo de Iracema, da jandaia que voo e canta: enxames! 

João Scortecci



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CORDEL DA VIDA DE ZÉ GALALAU, O CEARENSE POETA

Zé Galalau morava numa espelunca do fiofó. Uma pocilga escangalhada de ruim lá no pé da bufa. Lugar longe de tudo. Era um tribufu dos infernos, de roer as cordas da salvação. Um pindaíba azedo e feio. O que ganhava do serviço de araponga - espiando e fotografando a vida alheia - gastava gozando amor na birosca chumbrega do capiroto da casa da Luz Vermelha. Lá tomava birinaites e brincava de viúva feliz. Bebia a gororoba chumbrega no rebuceteio da noite. Um boêmio! Todo santo dia a sua Pereba – moça de boa família - aparecia no breu da gruta e o levava embora, puxando-o pelas orelhas. Zé Galalau dirigia uma geringonça de rodas de ferro, com motor rebimbocado. Do tempo da onça! A máquina não tinha freios e morria de faniquito na rampa. Descia no embalo da sorte e subia gemendo de dor. Pereba sempre o alertava do perigo: “Zé Galalau o seu motor está com urucubaca!” E a desgraça - num dia de chuva fina – veio cobrar. Zé Galalau de rastaquera, com um rabo de saia da casa da Luz Vermelha no carona, tombou na buzanfa da curva. Rolou e bateu a cabeça: morreu aos pedaços. Dizem que na esfolada do chão perdeu o mequetrefe do bilau. Foi cova rasa no kalunga xexelento do morro das raparigas. Lugar de pecador. Foi Padre Zizinho que encomendou a alma. De verdade ficou o cordel com sua história escrita pelo moço do repente, João, filho mais velho de Pereba. Cordel de fôlego e trabuco impresso em papel jornal. Li e reli a saga de Zé Galalau mil vezes. Depois tratei de semear o verbo mundo afora. Vez por outra – nas feiras do Nordeste Brasileiro - encontro um exemplar do cordel, vadiando solto no rebusteio da vida. Coisa de cearense.

João Scortecci
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REVISTA PAN: UM ACHADO DA INDÚSTRIA GRÁFICA

A Revista PAN - Semanário de Cultura Mundial, da Editora e Gráfica Novidades (1935 até 1945, totalizando 241 edições), do editor e gráfico José Scortecci (1902 – 1988), anunciava, regularmente, no jornal “Correio Paulistano”, fundado em 1854, primeiro jornal diário publicado na província de São Paulo e o terceiro do Brasil. Teve como fundador o proprietário da Tipografia Imparcial, Joaquim Roberto de Azevedo Marques, e como primeiro redator Pedro Taques de Almeida Alvim. Na estampa, anúncio veiculado pela Revista PAN no Jornal Correio Paulistano, em junho de 1936, oferecendo devolver 50% do valor pago pela assinatura anual, pela troca de livros da “Companhia Editora Nacional”, fundada em 1925, por Monteiro Lobato (1882 – 1948) e Octalles Marcondes Ferreira (1901 – 1973). No anúncio - quadro menor, lado direito, divulgação do primeiro concurso literário promovido pela Revista PAN, em busca de colaboradores e novos talentos. A lista de escritores, que fizeram sua estreia na Revista PAN é grande. Destaque para a ucraniana Clarice Lispector, com a novela Triunfo, em maio de 1940. Do lado esquerdo do anúncio, uma informação importante na história de PAN, a compra de uma impressora de Rotogravura, com a promessa de entrar em funcionamento a partir de 16 de julho de 1936. Para quem não conhece a história de PAN, a Editora e Gráfica Novidades, naquele mesmo ano, sofreu um incêndio criminoso, que destruiu a máquina e parte de sua redação. Os três últimos números de PAN, do ano de 1936, foram impressos - gratuitamente -  pela gráfica do Jornalista Cásper Líbero (1889 – 1943) a pedido de Menotti Del Picchia (1892 – 1988), colaborador de PAN e amigo do meu avô materno José Scortecci. A PAN tinha escritório e redação na Avenida Rio Branco, n. 91, 7º. andar, sala 2, na cidade do Rio de Janeiro. Adotando o slogan “Expressão livre do pensamento mundial”, seu objetivo era ser uma revista popular, aberta aos mais diversos ideais, procurando refletir em suas colunas a fiel expressão do pensamento contemporâneo. O mundo vivia os embates da Segunda Guerra Mundial, e a revista se propunha consultar e traduzir jornais estrangeiros, trazendo a seus leitores problemas e inquietações decorrentes daquele conflito bélico.

João Scortecci


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AQUI NÃO HÁ NINGUÉM

Maria do Meio, a louca, irmã caçula de Pedro, o Rei, adentrou no salão nobre do reino e gritou, aos céus: “Aqui não há ninguém!”. Contou as cadeiras, 50 no total, 25 de cada lado. Pedro, o Rei, então, adentrou no salão, acompanhado de sua guarda real, percorreu o corredor central, até o fim e lá, sentou-se no trono, que o aguardava. Em seguida chegaram, um a um, todos os nobres da corte e ocuparam seus lugares, passivamente. 25 de cada lado. 50 no total. Os amigos de Pedro, o Rei, sentaram do lado direito e seus opositores, do lado esquerdo. Maria do Meio aguardava, de pé, inerte, estacionada na entrada do salão. Depois que todas as cadeiras foram ocupadas, Maria, então, gritou, mais uma vez: “Aqui não há ninguém”. Todos riram. O Rei, então, preocupado com o que a corte pensaria da sua irmã caçula, bateu seu cajado no chão e gritou: “Aqui não há ninguém”. E todos da corte, inclusive os soldados da sua guarda real, responderam, saudando Pedro, o Rei: “Aqui não há ninguém”. Maria do Meio, então, resfolegou: “Depois a louca sou eu!”    

João Scortecci     

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CATECISMOS DE ZÉFIRO: O DEUS DA SACANAGEM

Eu menino de tudo na Fortaleza dos anos 1964, talvez 1965. Fui pela Pero Coelho na direção da Pedro I, até a Cidade da Criança, hoje Parque da Liberdade. A banca que vendia “catecismo” ficava na esquina com a Solon Pinheiro. Pedi: “Moço quero comprar um catecismo!”. O jornaleiro me olhou, fez que não escutou, deu volta completa na banca e, do nada, apareceu com um pacote embrulhado em papel de pão, amarrado com barbante grosso. “Qual número?” Perguntou. “O último!” Respondi. Guardei a revistinha na pasta do colégio e fui embora, veloz. Cortei caminho pela praça da Igreja Coração de Jesus e entrei no Colégio Cearense. Fui até o banheiro e lá, abri o exemplar do catecismo - princípios, dogmas e preceitos da doutrina pornô-erótica -  do Carlos Zéfiro, conhecido, também, como o “Deus da Sacanagem” (livro do jornalista Gonçalo Junior, A vida e o tempo de Carlos Zéfiro, Editora Noir). Carlos Zéfiro é o pseudônimo do funcionário público carioca Alcides Aguiar Caminha (1921 - 1992) com o qual ilustrou e vendeu, durante as décadas de 1950 a 1970, histórias em quadrinhos pornô-erótico, no formato 14 x 21 cm, com 24 a 32 páginas, que ficaram conhecidas por "catecismos".  A revista Status chegou em 1974 (Editora Três) e a Playboy (Editora Abril) no ano seguinte, em 1975. Até 1970 quem alimentava o sonho pornô-erótico da garotada (e de muitos adultos, também) era o Mestre Zéfiro, que permaneceu no anonimato até 1991, até a reportagem do jornalista Juca Kfouri para a Revista Playboy. Zéfiro manteve o anonimato sobre sua verdadeira identidade por temer ter seu nome envolvido em escândalo o que lhe traria problemas por se tratar de funcionário público. Foi também compositor, inscrito na Ordem dos Músicos do Brasil e parceiro de Guilherme de Brito e Nelson Cavaquinho, com quem compôs quatro sambas para a escola de Samba da Mangueira, entre eles: Notícia, A Flor e o Espinho. Zéfiro faleceu na cidade do Rio de Janeiro, em 5 de julho de 1992, aos 70 anos de idade. Hoje recebi pelo WhatsApp um vídeo com uma história do Zéfiro. Fiquei arrepiado: talvez, ainda - reflexo corporal do primeiro arrepio, aquele, dos anos 1960, no banheiro do Colégio Cearense. Zéfiro era mesmo um "Deus da Sacanagem", Mestre do pornô-erótico em quadrinhos, professor de catecismo, de toda uma infância.


João Scortecci


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O VELHO DO REALEJO E A PRIMAVERA

Das primaveras. Perdidas? Não as vejo. Do primeiro sol de flores: securas! Da cidade que acontece, ainda. No olhar do concreto, no cinza cosmopolita, na avenida de carros, semáforos e passados. Do bruto que se dobra e atravessa esquinas. Sol no vento pálido e um chapéu que voa, perdidamente. Vejo tudo no mesmo mundo. Vejo tudo na vida que respira cabeças e sangue. Gente apressada que dói. Cativo me pergunto: onde o canto do pássaro é canção? O que sobra acreditar de real: apenas o velho do realejo tocando desafios e arrancando bilhetes da sorte. Pássaro ferido. Securas e nada mais.  

João Scortecci

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PERSONAGENS REAIS DE UM MUNDO FICTÍCIO

Eu e as crianças fãs do Batman, o Homem-Morcego. Em maio de 2024 o Batman completou 85 anos. Quando nasci, em 1956, o Homem-Morcego era um jovem dos seus 17 anos de idade. Uma vez comemorei o Batman Day, com um minuto de silêncio. Coisas que não fiz - quando criança - e hoje me arrependo: fantasiar-me de homem morcego, visitar sua batcaverna, quartel-general do Bruce Wayne (identidade secreta do Batman) fazer um tour em Gotham City e dar um rolê no seu batmóvel, na Rua Augusta. Nunca gostei de saber que Fred Flintstone, Professor Pardal, Cebolinha, Margarida e  Pluto, cão da raça bloodhound, mascote do personagem Mickey e outros, são personagens fictícias. Desconfio desta classificação de termo usado para designar uma narrativa imaginária. Pergunta: seriam os sonhos, os desejos, as fantasias, também labirintos fictícios? Desconfio. No meu castelo de cartas, no meu jogo de dominó, no meu baralho de ases, no dado mágico que é a vida, a ficção reivindica ser também parte da realidade. Milton "Bill" Finger (1914 - 1974), foi um escritor de tiras de quadrinhos e o criador do Batman, da revista de história em quadrinhos norte-americana, Detective Comics (1937), em conjunto com seu amigo Bob Kane (1915 – 1998). Nós crianças somos assim: personagens reais de um mundo fictício. 

João Scortecci
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O VERDE DO PAPEL

Eu e folhas verdes. Gutações! Lâminas perfiladas desenhando perfis, cheiros, formas de amor e tecidos de pele. Páginas que lêem. Nuas! Corpo de folhas, natureza e dor, na relva do dia de sol. Silueta de moça que lê. Eu a observo, assim, pausadamente: de cocar na cabeça, cotovelos plantados no dorso da terra, seios miúdos, ilhados. Observo, ainda, um fio magnético - imaginário - na cintura de mulher, felina: fita abraçando um gozo. Quem nos lê? Quem nos olha? Na cintura do jardim amarras de um cordão sensual de papel. Úmido. Talvez. Páginas roubadas de diário? Segredos? Brevidades! Tempo polinizado que lê corações, possibilidades, ocupando-se de mim: frágil e mortal. Gutações de poeta e nada mais. 

João Scortecci
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FOLHA BERLINENSE AGUARDANDO APROVAÇÃO DO PET DUDU

Aqui em casa assinamos a Folha de S. Paulo impressa. Temos também a versão eletrônica, instalada nos celulares. Na editora assinamos o jornal Valor Econômico - útil e necessário - e também a versão eletrônica de O Globo. Ficaram pra trás: Revista Veja, Isto É, Placar, Jornal da Tarde, Revista Superinteressante e Outras. A Folha de hoje, de 1º de setembro de 2.024, veio impressa no formato berliner (Berlinense, 31,5 cm por 47 cm), fácil de manusear, caderno único, simpático, seguindo tendência quase que mundial, adotada pelos jornais franceses Le Monde e Le Figaro, o Guardian britânico, o Expresso português, os italianos Corriere della Sera e La Stampa, e os alemães Die Welt e Tagesspiegel. No Brasil, no formato berliner, os jornais: O Estado de S. Paulo, O Povo (CE) e Gazeta do Povo (PR). Em termos de tamanho, nasceu para ser um intermediário entre os formatos standard e tabloide. Lendo nota sobre o formato standard fiquei sabendo algo que não sabia sobre o formato standard: "Na época, os impostos sobre os jornais eram cobrados por página, e os ingleses adotaram formatos enormes para pagar menos". Na página A 28, da Folha, matéria sobre os 25 marcos da evolução da Folha ao longo de 103 anos: a primeira edição em 1921, surgimento do personagem Juca Pato, do cartunista Belmonte, em 1925, a unificação dos nomes da Folha da Manhã, Folha da Tarde e Folha da Noite, em 1960, primeira edição em offset, em 1968, inicio do Datafolha, em 1983, criação do cargo de Ombudsman, em 1989 e os 100 anos do jornal, em 2021. Como nada é “unânime” aos olhos da cara, listei três desagrados: corpo de letra menor, tamanho 11 para 10,5, caderno de esportes ruim, como sempre, e falta de um sumário dinâmico, na primeira página. Listei, ainda, um quarto item, ainda em análise, aguardando aprovação ou não, pelo Pet Dudu, um Fox Paulistinha, de 6 anos. Mostrei o exemplar do Berlinense  e ele o ignorou, virando o focinho para a porta da rua, possivelmente em protesto. "Toda unanimidade é burra!" já dizia o escritor Nelson Rodrigues. 

João Scortecci


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A HISTÓRIA DO AERO WILLYS DE MATAR DO CORAÇÃO

Não sei o que é pior: morrer do coração ou matar alguém do coração. Morre-se! No ano de 1971, pegar um taxi na cidade de Fortaleza era o máximo: um luxo! Fazíamos tudo a pé ou de Rural. Naquele dia estava com a mesada no bolso e precisava chegar ao IBEU - Instituto Brasil - Estados Unidos, num piscar de olhos. Tinha exame de inglês e estava atrasado. Do portão de casa avistei um taxi branco, um Aero Willys, novinho em folha, dando sopa do farol da esquina. Não tive duvidas: corri e entrei, com um pulo esperto, no banco de trás do taxi. Gritei - apressado - para o condutor do "carrão", um senhor de idade, gordo, cabelos brancos e óculos fundo de garrafa: “Toca urgente para o IBEU!” Não satisfeito, cutuquei suas costas com o dedo indicador. O senhor, assustado, levantou os braços e apagou, desmaiando, em cima do volante do Aero Willys, disparando a buzina. Fiquei ali, parado, inerte, apavorado. Um casal aproximou-se da janela do carro – aberta, o calor era infernal – e perguntou-me: “O que aconteceu?” Desmaiou, acho. Respondi. Juntou gente. Vizinhos.E até um tetél, carro de Rádio Patrulha. Tiraram o senhor do carro e o colocaram sentado, numa banquinho de madeira, no portão da casa da Familia Biasoli. Estava consciente - transpirava feito um porco - e depois de alguns minutos acordou, de vez. Olhou-me nos olhos e perguntou: “Foi você que fez aquilo?” Quis saber. "Sim!" Respondi, balançando a cabeça. “Eu não sou taxi!” Disse-me, apontando o dedo para o teto do Aero Willys, abandonado, de portas abertas, no meio da avenida D. Manoel, quase esquina com a avenida Duque de Caxias. “Você entrou no carro errado!”.  Gritou. Sem saber o que responder, justifiquei-me: “E eu não sou assaltante!”. 

João Scortecci             


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LIVRO DAS MENTIRAS E DA SALVAÇÃO

Livro de autor aflito é tortura. Novato, então: um desespero só. Pior que tudo: quando o livro é o nosso. Muito sofrimento. Entregamos o livro – quase – pronto, com a promessa de depois – antes de liberar para a gráfica –dar uma olhada final, uma arredondada. Mentira! Quando o livro volta da diagramação, já no boneco, bate aquele desespero mortal. Transpiração! Muda aqui, muda acolá, muda, muda. Jura que escrevi isso? Mexeram no meu arquivo? Doideira. Uma vez copiei o arquivo do livro já diagramado no “Bloco de notas”, depois de volta para o "Word" e reescrevi tudo. Livro novo? Sim. Aquele outro vai ficar para depois. Menti. Já que era outro livro, aproveitei e troquei também o título. Tenho um arquivo só com títulos, ideias e rascunhos. Vez por outra vou lá e trabalho – aleatoriamente – num deles. Qual? Um deles. Mil anos: é o tempo de que vou precisar para terminá-los. Mentira. Nós, escritores, somos mentirosos e covardes. Vivemos com a cabeça nas nuvens. Quando a coisa aperta, filosofamos com os deuses: a poesia salva! Em 50 anos trabalhando com livros – escrevendo, editando e imprimindo – só conheci um escritor honesto, com os pés no chão. Foi o Zacarias, viúvo, na época com 60 anos, da cidade de Osasco, região metropolitana de São Paulo. Fechou contrato de edição do livro e pediu 30 dias para concluir a obra, um romance policial, algo assim. Voltou na data combinada e sentenciou: “Não consigo terminar o livro! Estou desistindo.”. “Quer ajuda?”, perguntei. “Não, obrigado.” Desistiu. Foi embora feliz. A maioria de nós mente, inventa desculpas, conversa para boi dormir: “estou finalizando”; “falta pouco”; “fazendo ajustes”; “dando a última olhada”; “na revisão”; “no prelo” ... Já escutei de tudo: esse é o meu último livro! Trabalheira. Pergunta: “E sua obra-prima: não vai escrever?” “Chega! Chega!”, mentimos, sempre. Todas as vezes em que começo novo livro lembro do Zacarias, o escritor feliz, calmo, resolvido e mortal. Já disse: a poesia salva!   

João Scortecci    

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IMPRIMIR NO ESPÍRITO: IGUAL E DIFERENTE

Você é capaz de imprimir no espírito? Essa é nova e eu descobri hoje. É possível? Quis saber. Lembrei-me, então, de uma questão dos anos 1972: Qual a cor do amor? E nós - jovens de tudo - respondíamos pelo deus: amor não tem cor! Levávamos o cálice, as hóstias e o silêncio da alma, até o altar da igreja de Santa Cecília. E pronto. “O amor não tem cor!” Era a conclusão final e tudo ficava assim e por isso mesmo. Éramos felizes. E a loucura da flor de plutônio? Sei não. Existe isso? Desisto, de vez. Diga, então: Você é capaz de imprimir no espírito? Talvez. Eu sei transferir - vida e morte - para o papel, sei untar tintas, esfregar grafite nos olhos, riscar beijos na pedra sabão e até riscar versos na areia do mar. E imprimir no espírito: você sabe? Talvez. No passado tudo era mais simples. Bastava acreditar que o amor não tinha cor e pronto. E agora? Complicou. “Imprimir” é verbo transitivo da terceira conjugação e o “ir” é imperativo. Sinto saudade do clichê, do carimbo, da tatuagem do chiclete, do soldadinho de chumbo, das figurinhas carimbadas de futebol, da coleção de tampinhas, das balas de menta, do jogo com bolinhas de gude, das arraias no céu do Ceará e das linhas de cerol. Éramos felizes! E imprimir no espírito? Talvez. 

João Scortecci


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OLHANDO TODAS AS MANHÃS

Oxxo (fala-se: Óquisso) em quase todas as esquinas de hoje! Nada contra. Veio e ocupou-se. Dizem que só na América Latina são perto de 20 mil lojas. Pergunto, por curiosidade: o que vai ser aqui depois de pronto? Um Oxxo. Vez por outra: uma nova farmácia ou ainda mais uma lojinha de capinhas para celular. Fora isso: nada de novo. Observo, desconfiado: o antigamente está desaparecendo. Saudade? Talvez. Descendo a Avenida Rebouças, observo: prédios e mais prédios. Novíssimos! E lojas vazias. Placas de “Aluga-se!”. É a nova Rebouças (André Pinto Rebouças, 1838 - 1898). Outro dia - curioso que sou - li a sua biografia. Engenheiro militar, abolicionista e inventor. Um militar abolicionista que inventou um torpedo - projétil explosivo autopropulsionado que opera debaixo d'água – usado, com sucesso, na Guerra do Paraguai. Desço a Avenida Rebouças, de carro, no silêncio de todas as manhãs, na direção da editora, no bairro de Pinheiros. Faço isso desde 1982. No relógio, pontualmente, 5h45. Prédios novos, lojas maravilhosas e vazias. Eu e uma pequena multidão de apressados, subindo ou descendo a Rebouças, carregando nas costas suas pesadas mochilas. Pergunta: o que será que carregam dentro delas? Tento adivinhar: marmita, tênis, muda de roupa, ferramentas de trabalho, livros e cadernos, tabletes, carregadores? Que mais? Não sei. Um dia descubro. Não consigo diferenciar um dia qualquer do outro. Dias iguais de andarilhos, de mochilas pesadas e lojas vazias. Oxxo meu povo. Oxxo!

João Scortecci



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SCORTECCI EDITORA NA 27ª BIENAL INTERNACIONAL DO LIVRO DE SÃO PAULO 2024

A Scortecci Editora estará presente na 27ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que acontece de 6 a 15 de setembro de 2024, no Distrito Anhembi, São Paulo – Capital. Em estande próprio, na Rua A, número 57, a Scortecci realizará intensa e variada programação. Desde 1994, a Scortecci marca presença nesse que é o maior evento literário e cultural da cidade de São Paulo e do País. Para esta 16ª participação da editora no evento, estão programados: recitais poéticos e leitura de textos literários e lançamentos de centenas de novos títulos de variados gêneros, incluindo infantojuvenis, livros de autoras do Coletivo Mulherio das Letras, Seccional São Paulo, com coordenação de Marina Marino, e antologias literárias, entre elas: Além do Tempo - antologia de poesias, contos e crônicas – volumes 1 e 2; Antologia do 6º Prêmio Literário AFEIGRAF 2024, com a presença de autores vencedores; Mulheres e suas Versões, antologia coordenada por Nina Kuznetzow; A Coragem de Escrever das Escritoras Brasileiras, antologia organizada pela escritora Joyce Cavalcante, Selo REBRA; Antologia Poetrix 9 – 25 anos, da Academia Internacional Poetrix; Carolina Maria de Jesus – Uma história narrada por crianças e jovens, antologia coordenada por Shirlei Pio Pereira Fernandes; Antologia de Contos, Poemas e Crônicas Regionais da Nova Alta Paulista – Poemas musicados, comentados e cifrados, organizada por Izabel Castanha Gil e Eunice Ladeia Guimarães Amaro. Destaques para a comemoração do aniversário de 42 anos da Scortecci Editora, no dia 7 de setembro, sábado, das 19h às 21h, com Recital poético e leitura de textos literários, com a coordenação da escritora Maria Mortatti; e no dia 14 de setembro, sábado, das 19h15 às 20h45, o Recital Poético 500 anos de Camões, com leitura de textos do escritor português, com a coordenação da escritora Carmem Teresa Elias.

Programação completa disponível em: https://www.bienaldolivro2024.com.br

Mais informações com Dayse Silva: (11) 97548-1515.

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