Conheci o burro Jeremias num sítio de um amigo do meu
pai Luiz no município de Aquiraz, capital do estado do Ceará até 1726, distante
32 km de Fortaleza. Isso nos anos 1960. Jeremias estava solto comendo capim na
beira da estrada. “Pai, um jumento! Para o carro: quero ver o bicho de perto!”
Papai encostou a Rural Willys e eu desci do carro pulando pela janela. Não
gosto de esperar, nunca. Até hoje “demora” significa pra mim perda de tempo. Já
fui questionado por isso – pela minha impaciência singular – e a explicação é
simples: a vida é breve! Papai desceu do carro em seguida. Disse: “Filho, não é
um jumento. É um burro macho”, explicou. “E qual a diferença?”, quis saber.
“Burro nasce do cruzamento genético entre duas espécies de animais distintos
devido aos seus genes incompatíveis, provavelmente cruzamento com cavalo.” Algo
assim. Disse: “Gosto deles”. Na verdade, gostar é algo que não se explica, algo
inexplicável, algo que transcende a natureza humana. Sentamos, então, num
barranco, à sobra de um chapéu-de-sol. “Filho – papai revirando na cabeça um
passado –, você sabia que na construção do Açude Orós, inaugurado em 1961,
represamento das águas do rio Jaguaribe, durante a concretagem do açude,
morreram milhares de jumentos?” “Não. O que aconteceu?”, quis saber. “Foram os
jumentos – milhares deles – que levavam nas cangalhas o concreto para a
barragem. Muitos acabaram caindo na compactação do concreto e não puderam ser
salvos. Foram concretados no paredão das águas. Vi com os meus próprios olhos!
O açude Orós é um imenso cemitério de jumentos! E mais, em 1960, antes da
conclusão do açude uma parte da barragem cedeu, devido a fortes chuvas,
causando um vazamento de água que vitimou mais de mil pessoas. Uma tragédia.”
Voltamos, então, para a Rural e adentramos logo adiante no sítio do amigo do
meu pai. Jeremias ficou por lá. Indiferente e inesquecível. Herói imaterial.
Hoje fiquei sabendo que os jumentos correm o risco de extinção. Explicação: a
demanda chinesa pelo colágeno encontrado logo abaixo da pele dos jumentos tem
provocado uma redução drástica da população desses animais em diversos países
do mundo, inclusive no Brasil. Gil Vicente teria dito: "Melhor um asno que
me carregue do que um cavalo que me derrube." A explicação é simples: a
vida é breve!
João Scortecci
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