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SEBASTIÃO SALGADO E O VOO DA GRALHA AZUL

Olhos que tudo vê. Observa, seleciona, cria e registra o instante: eterniza o alvo! Onisciência e precisão. Pura magia e arte! No ano de 1976, fiz amizade com um atirador de elite do exército brasileiro – um sniper - em tiros de precisão com fuzis FAL. O cara era bom! Mineiro do Vale do Rio Doce. Calmo, reservado e olhos de lince. Na hora do tiro respirava fundo, soltava o ar lentamente e apertava o gatilho, eternizando o alvo. Qual o segredo? Quis saber. Ele riu. Disse-me, então: “Você precisa fazer parte do alvo!”. Guardei a lição. Quando escrevi o livro “O Eu de mim – um poema ecológico”, usei no texto os ensinamentos do atirador: antes de alvejar a gralha azul, de puxar o gatilho da crueldade humana, deixei-me, mortalmente, ser alvejado. O tiro passou pela mira, pelo cano, pelos rumos do caminho, pelo vento feroz da distância, pelo tempo da sorte e alvejou o “Eu de mim”. O projétil rasgou-me o coração. Culatra de fogo e dor. O livro ganhou em 1982, o Prêmio Itajaí de Poesia. Hoje fiquei sabendo da morte do fotógrafo Sebastião Salgado (1944 – 2025), aos 81 anos de idade. Tristeza e silêncio. Gostava dele e do seu trabalho. O “sniper” da fotografia! Pontual e preciso: parte do alvo. A foto que mostra trabalhadores numa área de garimpo de ouro em Serra Pelada, no Pará, no ano de 1986, impressiona. Emblemática: formigueiro humano! A biografia de Sebastião Salgado é grandiosa. Viajou mais de 120 países e fotografou o mundo. Publicou vários livros, obras de arte de excelência gráfica – alguns passaram por mim, quando, então, Conselheiro de Humanidades, da CNIC, do Ministério da Cultura, entre 1999 e 2008. Pretendia convidá-lo para o evento de final de ano da Abigraf – Associação Brasileira da Indústria Gráfica, tradicionalmente realizado no prédio da FIESP - Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Não deu tempo. A gralha azul – olhos que tudo vê – então, voou. Bateu asas: leve e livre. Eternizou-se e ficou no tempo. Memória que fica, arte eterna, imortalidade e alvo.

João Scortecci