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AMIGO DO PASSADO E NADA MAIS / JOÃO SCORTECCI

Basta uma faísca nos olhos, um lugar qualquer, um rosto, um acontecimento ou mesmo um pequeno fio de vida, que logo, no mesmo instante, nos lembramos de alguém do passado. Onde será que anda fulano: vivo ou já morreu? Curiosidade. Lembranças, viagem no tempo, rastilhos de pólvora, até saudade. Éramos felizes! Hoje, com a Internet e as redes sociais, ficou mais fácil encontrar alguém perdido no espaço tempo do diverso. Outro dia – vadiando pelas redes – encontrei um garoto azedo e estúpido da minha cruel e doce infância no Ceará, isso nos anos 1960. Gostava dele. Era diferente! Arrochado. Tinha palavra e coragem. Fiz contato com ele por e-mail e pedi o número do seu celular. Ele enviou, de pronto. Liguei no ato da emoção! Bom dia! Quanto tempo! Como vai? Silêncio. O que você quer? Perguntou-me. Senti o baque. No mesmo instante me arrependi de ter ligado. Não desliguei, de pronto. Resisti, bravamente. Perguntei: Pode falar? Posso, respondeu. Silêncio. O galego - do nada - havia se transformado num corvo podre, sem asas, mortal. Falei e falei, sem parar, relembrando mil passagens do nosso tempo de criança. Ele apenas escutou. E insistiu: o que você quer? Nada. Respondi, então. Desliguei. Triste e surpreso. O galego havia se esquecido de tudo, das nossas histórias incríveis e também dos nossos pecados de infância pervertida! Galego foi na minha infância o meu herói bandido. Um rastilho de pólvora, uma faísca nos olhos, uma estrela cadente, que riscou o céu e depois desapareceu. Escafedeu-se! Esquecimento e dor, no aperto do coração. E nada mais.   

João Scortecci