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BEST-SELLER CARIMBADO / JOÃO SCORTECCI

“Queremos publicar um livro!” Foi o que escutei do jovem casal. “Dueto literário?”, perguntei. “Não. Livro solo”, explicou o marido, olhando para a esposa. Abriram uma pasta de elástico azul e tiraram um maço de poemas. Mais de 200, creio. O marido, então, começou a fazer uma triagem, entregando para a esposa os poemas selecionados por ele. Estranho. “Essa não! Essa também não!” Foi fazendo uma pilha à parte, com os rejeitados. A esposa observava tudo, calada, aparentemente concordando com a seleção. O marido explicou: “Queremos um livro com 100 páginas, no máximo”. “Selecionem, então, 90 poemas.  As demais páginas usaremos para compor as folhas de rosto, sumário, dedicatória e cólofon”, expliquei. Levaram quase uma hora na triagem. “E o título?”, perguntei. Ele escreveu o título num pedaço de papel e me entregou. “E a dedicatória?” A autora escreveu algumas linhas num pedaço de papel e mostrou para o marido. Ele olhou – fez cara azeda – e riscou dois nomes da lista de homenageados. “Esse não! Esse também não!” A esposa balançou a cabeça, concordando. Pronto. Fechamos o contrato e iniciamos os trabalhos de edição. O casal optou por fazer o serviço de revisão na editora. O marido – sempre junto – sentou ao lado da autora e acompanhou a revisão, linha por linha. Na época, ganharam dos funcionários da editora o apelido de “Casal 20”, série de sucesso da televisão americana criada pelo romancista Sidney Sheldon e protagonizada pelo casal rico e simpático Jonathan (Robert Wagner) e Jennifer Hart (Stefanie Powers). Risos. Quando os livros ficaram prontos, o marido veio buscá-los. Sozinho. Conferiu os exemplares e, sentado no banco da recepção da editora, na época localizada na Galeria Pinheiros, releu toda a obra, página por página. Agendou, então, a data do lançamento e, para a noite de autógrafos, fez uma exigência: “Quero uma cadeira ao lado da minha esposa!”. E assim foi. Muita gente no evento. Família e amigos. Coquetel, música e um fotógrafo contratado por ele. A esposa autografava e entregava o livro para o marido, que lia a dedicatória e, com um carimbo, validava o texto escrito. Não saiu nenhum livro sem o carimbo. Eu juro! Estranho foi receber de presente o meu exemplar, o último da noite. Tinha dois carimbos na folha de rosto. Um no início da dedicatória e outro, no final. Desconheço a razão dos dois carimbos. Pensei, no início, tratar-se de um erro, já que o primeiro carimbo estava meio apagado, com falhas de impressão. Com o tempo, desconfiei dos dois carimbos, um no início e outro no final da dedicatória, como limitadores de espaço. Qualquer palavra fora dos limites que surgisse depois, seria sinal de cumplicidade, de traição. Algo assim. O casal, depois de alguns anos, separou-se. A esposa poeta ligou, pedindo ajuda. Explicou: “O meu ex-marido entrou na Justiça cobrando parte dos lucros sobre a obra, segundo ele, um best-seller, com milhares de exemplares vendidos”. Imaginação fértil. E nada mais.   

João Scortecci