Eny Cezarino foi uma famosa proxeneta! Uma cafetina! Em Portugal seria uma “chula” e no Japão e em alguns países orientais, “Madame”. Meu amigo Ézio Grassi Peluso, já falecido, dicionarista e professor de português, dizia sempre: “As palavras até podem ter o mesmo significado, mas nunca o mesmo sentido!”. Verdade! Conheci a Madame Eny Cezarino (1917 – 1987), no início dos anos 1980, dona da famosa Casa da Eny, na cidade de Bauru, interior do estado de São Paulo. O prostíbulo, na época, já estava desativado e sobrevivia, ainda, para poucos: velhos conhecidos, convidados e curiosos. Fui como editor de livros, a convite de um amigo da região, escritor, memorialista, interessado em escrever a biografia de Eny Cezarino e a história do Eny’s Bar. A cafetina nos aguardava, elegante e sorridente. Uma mulher com os seus 60 anos de idade, bonita, elegante e sensual. Eny nos recebeu na varanda do casarão, próxima à porta do salão principal, que dava acesso ao que foi, no passado, o Eny’s Bar, um “paredão” com centenas de garrafas, formando, ao fundo, um painel multicolorido. Algo bonito de se ver! Espaço visivelmente decadente, escuro, mas ainda imponente. A conversa fluiu. Eny sabia agradar e trocar olhares cativantes. Contamos causos e piadas. Encenei algumas do repertório do meu avô paterno, João Batista de Paula, o Batista da Light. A maioria sobre prostitutas e políticos. Tarde longa, deliciosa, inesquecível. Rimos muito. Conversamos também – como era o combinado – sobre a edição do livro: sua biografia. Eny estava falida e precisava de dinheiro. Foi o que nos confessou, abertamente, sem nenhum constrangimento. “O que você pode fazer por mim?”, perguntou-me. Disse-lhe: “10% sobre o preço de capa dos exemplares vendidos”. E expliquei como seria a edição do livro. Ela queria também fazer um filme. Mil planos. Pediu um adiantamento, e eu prometi, delicadamente, pensar no assunto. O livro seria escrito pelo amigo memorialista e eu pagaria as despesas do projeto. “Eny, você vai falar tudo?”, perguntei-lhe. “Vou, eu juro!”, afirmou. Recusei uísque, mas aceitei um suco de tomate. O calor era infernal. Ela me levou, então, para conhecer o casarão, com seus 40 quartos, sauna, restaurante, bar e salões de festas. No final da tarde, quase ao pôr do sol, para espantar o calor e, depois, voltar dirigindo para São Paulo, mergulhei na piscina do prostíbulo, que ficava defronte da varanda, na entrada da casa. Não havia levado roupa de banho. Tirei, então, a roupa e nadei nu. O livro, infelizmente, não saiu. Eny fugiu de casa, ainda adolescente, e passou a trabalhar como prostituta em cidades como São Paulo, Porto Alegre e Paranaguá. Na década de 1940, passou a trabalhar na Pensão Imperial, em Bauru, prostíbulo que mais tarde comprou e gerenciou. Na década de 1950, abriu o Eny’s Bar e o transformou num dos prostíbulos mais famosos do Brasil, atraindo celebridades, milionários, políticos e presidentes. Eny nasceu no bairro da Aclimação, em São Paulo, em 23 de abril de 1917. Era filha do italiano José Cesarino e da francesa Angelina Bassotti Cesarino. Não teve filhos e apenas um amor, chamado Maurício, de origem libanesa, que trabalhava com venda de tecido e faleceu em um acidente de carro. Em 1983, atolada em dívidas, acabou perdendo o bar. Morreu pobre, na cidade de São Paulo, no dia 24 de agosto de 1987, aos 70 anos de idade. Esse foi, entre muitos, o livro que eu gostaria de ter publicado. Madame Eny Cezarino ficou inteira dentro de mim.
João Scortecci