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SHERLOCK HOLMES E O POETA INCOMPLETO

Mesa com um pé pequeno, torto ou quebrado: não se sustenta! Cai. Mesas e cadeiras são ferramentas poderosas: acomodam, amparam, acolhem, ajudam, sempre. Não gosto de mesas vazias, sem história alguma. Acho estranho: incomoda, muito. Vou lá - desavisado de tudo - e coloco algo em cima. Depois sossego! No quadro 1 da estampa temos a TV soberana, espaçosa, reinando no espaço. Gosto de TVs, nada contra. O livro - coadjuvante – aparece como peça de sustentação, de equilíbrio e serviço útil. Funciona, Nada contra, também. Já fiz isso algumas vezes. No quadro 2 da estampa a cena é outra. Inverte-se! A TV vira pé de mesa e o livro, então, passa a ser o personagem principal da trama. Aparece aberto, poderoso, único, ocupando todo o centro da mesa. Mensagem subjetiva, talvez: Desliguem a TV e leiam o livro! Algo assim. Nada contra, também. Para quem não sabe, vivo do negócio do livro: lendo, escrevendo, editando, imprimindo e comercializando. Faço isso desde 1978. Adoro livros: lidos, não lidos, renegados, salvos, recolhidos, empilhados, sujos e pedidos. Meu amor por eles é canino: por mim levaria todos para o meu mundo! O quadro 2, confesso, deixou-me inquieto, perturbado, olhando com a teimosia de um vate inconformado com tudo que vê. Nada contra a estampa. Longe disso. O coração, então, resfolegou: pena pela mesa que teve outro pedaço de sua perna amputada, dor pela TV - traída, enganada e humilhada - e, mais do que tudo: angustia pela solidão do livro. Soberba? Talvez. Lendo o livro “O incrível livro de enigmas de Sherlock Holmes”, coletânea inspirada no maior detetive do mundo, do Dr. Gareth Moore (Pé de Letra Editora), encontrei - abri o livro e li - uma possível “solução” para resolver o engodo. Usando a imaginação da cabeça: abri a caixa de ferramentas da bike, catei dentro uma extensão de 3 metros e liguei, simples assim, a TV na tomada. Relaxei, confesso. Olhando depois, um imaginário quadro 3, a cena ficou assim: Mesa funcional, acolhedora, gentil, livro aberto, convidativo, interessante, pedindo para ser lido e TV ligada, possivelmente num canal de futebol. Enigma para Sherlock Holmes: foi encarar os olhares - passivos, frios e indiferentes - do marcador de páginas, parecia uma serpente venenosa de língua no ar e da caneca de café, cuspindo fumaça. Faltou um óculos. Algo mais? Tentei argumentar explicando, inutilmente: vocês são coadjuvantes, ilustram a cena, completam o poema, intelectualizam o espaço. De nada adiantou. Então o enigma: "Watson, um experimento mental para você - disse Holmes, um dia. Quero que você use sua imaginação e imagine-se em uma ilha deserta. Uma remota, onde não há chance de alguém vir resgatá-lo. E você tem que descobrir como escapar." Solução do enigma: "Você simplesmente para de imaginar!" Foi o que fiz. 

João Scortecci