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O MEU PRIMEIRO SOLDO, LOJA MAPPIN E HERMANN HESS / JOÃO SCORTECCI

O meu primeiro emprego, com carteira assinada, foi no ano de 1977, três meses depois de dar baixa do Serviço Militar obrigatório, no ano de 1976, no 2º. Batalhão de Guardas, no Parque Pedro II, centro da capital paulista. Tinha 20 anos e 8 meses de idade. Até então, meus pais – na época residentes no Ceará – custeavam meus estudos e estada em São Paulo. O dinheiro enviado por eles, por meio do Branco Brasileiro de Descontos, era justo, mas o suficiente. Nunca faltou. Morávamos – eu e meus irmãos Luiz e José – no bairro Santa Cecília, num apartamento próprio. Comíamos em pensões de estudantes. Na época, existiam muitas no bairro, devido à proximidade com o Colégio Mackenzie e a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. O cardápio – em qualquer uma delas – era sempre o mesmo: segunda-feira: bisteca de porco com tutu; terça-feira: bife com ovo frito ou panqueca de carne moída; quarta-feira: feijoada com banana frita; quinta-feira: macarrão com frango; sexta-feira: filé de pescada, com purê de batata e arroz. Aos sábados e domingos, improvisávamos qualquer coisa e pronto. Quando sobrava algum dinheiro no mês, íamos ao restaurante Giovanni, na Rua Timbiras, travessa da Av. São João com a Praça da República, comer talharim com dois ovos fritos ou ossobuco. Uma festa! Foi surpresa, confesso, saber que também para os recrutas e soldados, durante o Serviço Militar obrigatório – isso no ano de 1976 – existia soldo, vencimento de militares de qualquer posto ou graduação. Meio salário mínimo! Fiz as contas e comemorei! Vai sobrar! Almoçava e jantava no bandejão do Quartel General, não pagava transporte público – militares não pagam, desde que uniformizados – e, ainda – pasmem! – meio salário mínimo no bolso. Sonhei alto. Recebíamos o soldo em dinheiro. O primeiro chegou no mês de março. Chovia forte. Coloquei o dinheiro no bolso e fui direto para a loja Mappin, na Praça Ramos de Azevedo, em frente ao Theatro Municipal de São Paulo. Elevadores grandes e apinhados de gente. Os ascensoristas gritavam a cada andar percorrido: primeiro andar: mesa, cama e banho; segundo andar: calçados, bolsas e moda; terceiro andar: variedades e utensílios do lar; quarto andar: cozinhas, móveis e estofados; quinto andar, o último: TVs, som, relógios e máquinas fotográficas. Fui direto – voo livre – para o quinto andar, até à seção de rádios e relógios. Comprei – e paguei à vista – o meu primeiro radinho de pilhas, da marca Sanyo AM-FM, modelo P 5040. Foi a minha maior conquista, até então. Inesquecível. Quando no posto do QG do Ibirapuera, escutava radinho de pilha, escrevia poesias ou lia, desbragadamente, Hermann Hesse e nada mais.

João Scortecci