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MARIA AZEDINHA E A ODAXELAGNIA

Maria Azedinha era de colocar medo até em gente grande. Miúda e perigosa. Desenhava forcas, caixões e atropelamentos no caderno alheio. Isso no tempo do curso Técnico de Contabilidade. “Para você!” Entregava o “bagulho” e encarava a vítima, até o sujeito perder o rebolado. Da Maria Azedinha ganhei, em três anos, uma forca, uma guilhotina e um desenho de cobra com língua de fora, cuspindo veneno. Isso porque ela – dizia – gostava de mim. Um dia – no segundo ano do curso – desenhou uma faca pingando sangue e deu de presente para o professor de Estatística. “Professor, pra você!” Terminou na diretoria e acabou ganhando três dias de suspensão. Maria Azedinha não tinha mãe nem pai. Havia sido criada por uma avó e sustentada por uma tia solteirona do interior do Piauí, algo assim. Azedinha não foi à festa de formatura e acabou, misteriosamente, sumindo da turma. Escafedeu-se! Outro dia – quase 40 anos depois – dei de cara com Maria Azedinha numa loja de doces no Largo de Pinheiros, na cidade de São Paulo. “É você, Azedinha?” “Eu mesma!” Inconfundível: olhos perigosos, nariz agudo, dentes vampirescos e boca miúda. “O que você faz vestida de freira?” “Sou freira!”. “E os desenhos de forcas, caixões e facas pingando sangue?” Ela riu. Parecia apressada. Saiu da loja de doces e tomou a direção do Largo da Batata. Antes – eu vi – pinçou com o canto do olho minha dengosa orelha esquerda. Será? Azedinha era tarada por orelhas. Lembrei-me, na hora, de uma história antiga, do último ano do curso de Contabilidade. Azedinha – do nada – pulou em cima do Nonato, colega de classe, e, com uma mordida feroz, quase lhe arrancou a orelha. Despedimo-nos, então. Subi a Rua Teodoro Sampaio com a orelha esquerda coçando, inchada de medo. No caminho, zelando, vez por outra, as minhas sombras. Um detalhe, imperdoável: deixei o número do meu celular com Maria Azedinha. Que descuido! Sou mesmo um idiota! A odaxelagnia – segundo a Wikipedia – é uma parafilia que envolve o desejo sexual de morder ou ser mordido. Pode ser considerada uma forma – leve – de sadomasoquismo. Algumas vezes, é associada com o vampirismo. Isso explica – em parte – desde então eu não querer atender ligações, no celular, de números desconhecidos, não identificados. A odaxelagnia é um fetiche sexual “perigoso” – altamente “contagioso” – que não tem “cura” e contra o qual não tem reza de santo que dê jeito. Morder e ser mordido. E nada mais. Uma prosa: a minha orelha esquerda – aquela que foi pinçada com o canto do olho de Azedinha – nunca mais foi a mesma. Murchou e secou: de parafilia vampiresca.

João Scortecci