Filomeno, o amável, era um muquirana. Um pão-duro. Papai Luiz o chamava de “Filorento”. Guardava o seu dinheiro num baú de madeira escondido debaixo da cama. A pobre de sua mulher, D. Mariazinha, passava apuros. Tinha um único vestido - preto - que servia para tudo: missa, casamento e velório. O casal não teve filhos, e a fortuna do sovina era de dar inveja. Filomeno era proprietário de uma fábrica de vassouras no Ceará e morava perto da casa dos meus avós paternos, na Aldeota, na Fortaleza dos anos 1960. Meu papai Luiz contava - sempre - duas de suas muitas histórias de “pão-durice”. A primeira era de quem lhe pedia um emprego, na fábrica de vassouras. Perguntava, sempre: “Qual o seu nome?”. “José Pinto, Senhor”. “O José Pinto sabe varrer o chão?”. “Sei, sim.”. “Aqui na minha fábrica de vassouras - as melhores do Nordeste, dizia sempre - quem não soube varrer o chão não come!". Sr. Filomeno, quanto eu vou ganhar?”. Filomeno, mão-de-vaca, respondeu-lhe: “Meio salário e uma vassoura!". “Uma vassoura?” Filomeno, o amável, era um homem justo, porém controlado: “José, você vai varrer a fábrica, todos os dias, depois do expediente. Se quebrar a ferramenta, eu desconto do seu salário.”. José Pinto, jovem e esperto, perguntou-lhe: “Até quando vou ter que varrer a fábrica, depois do expediente?”. “Até o Natal!”. “Sr. Filomeno, ainda estamos no mês de março!”. Protestou. “Eu sei. Experiência é tudo na vida!” José Pinto ficou no posto de “varredor” até a véspera do Natal daquele ano. O combinado vale sempre! Passou o serviço para o seu irmão caçula, o Francisco Pinto, recém-chegado de Itapipoca, interior do Ceará. José Pinto trabalhou na fábrica de vassouras durante 25 anos e chegou a Gerente da Expedição. O seu maior orgulho era carregar no peito - do lado esquerdo do coração - um pingente dourado de uma “vassoura”, lembrança da campanha para presidente do Jânio Quadros, presente do Sr. Filomeno, o amável. “Filorento” - vez por outra - batia na porta da casa dos meus avós e pedia um favor. Um martelo, um pedaço de arame, uma xícara de açúcar, um lápis com ponta, agulha e linha, um remédio, coisas de pouco valor. Nada mais que isso. Até que um dia, espiou de longe, pelo vão da porta, uma tela da Santa Ceia, cópia da obra de Raffaelli, que ficava na parede da sala de jantar da casa. Meu avô Batista, percebendo o olho grande do vizinho muquirana, perguntou-lhe: “Gostou? É seu. Pode levar de presente!” O Sr. Filomeno levou o quadro, prego e martelo. Dias depois, voltou para agradecer pelo presente e convidar meus avós Batista e Sarah para jantarem em sua casa. Mesmo surpresos e desconfiados, aceitaram o convite. Curiosidade mata! Foram servidos: sopa de chuchu, moela de frango com arroz branco, duas batatas cozidas e dois ovos estrelados, tudo na conta de Raffaelli. Filomeno, o amável, levantou-se, e, de pé, com o garfo, dividiu as batatas e os ovos, em quatro pedaços iguais. Beberam Ki-Suco de laranja e, de sobremesa, comeram um manjar de coco, sem ameixas. Filomeno, o amável, morreu no final dos anos 1970, um ano depois do falecimento de sua esposa Mariazinha. Sua fortuna - é o que dizem - ficou com um sobrinho distante, que fechou a fábrica de vassouras e foi ser “rabo-de-burro” na cidade do Rio de Janeiro. Experiência é tudo na vida!
João Scortecci