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SECA IMPERIAL, CISTERNA DO GONZAGA, GORILA E O ROUBO AO BANCO CENTRAL

A seca que assolou o Nordeste Brasileiro (1877-1879) matou aproximadamente meio milhão de pessoas. A província do Ceará foi a que mais sofreu com a calamidade. Foram três anos seguidos sem chuvas, sem colheita, sem plantio, com perda de rebanhos e com a fuga das famílias, deixando despovoado o sertão. A tragédia era assunto corrente na Família Paula e afetou – emocionalmente – o meu pai, Luiz Gonzaga, que, desde criança, sofria de Transtorno Obsessivo Compulsivo que o condicionava a lavar as mãos quando tocava em alguma pessoa ou objeto. Isso o apavorou a vida inteira. O medo de ficar sem água era tanto, que edificou, no quintal de casa, no subsolo da Vila Santa Terezinha – conjunto de 4 casas –, uma cisterna para armazenar água da chuva. Junto, instalou um sistema duplo de bombas – compradas na J. G. Vieira. Acompanhei o projeto e a construção da engenhoca, apelidada de “Cisterna do Gonzaga”. O projeto, depois de ajustes técnicos, transformou-se numa imensa piscina subterrânea. “Luiz, um exagero!”, palavras da mamãe Nilce. Ele cobriu a cisterna com lajotas, plantou árvores de sombra, samambaias, bancos de concreto, jardim, canteiro, armadores com redes, construiu uma churrasqueira, copa, uma pista de dança, aparelhagem de som e luz negra. Inaugurou o espaço com uma tremenda festa. Curti a “Cisterna do Gonzaga” até o ano 1972, quando deixei a cidade de Fortaleza e vim morar, definitivamente, na cidade de São Paulo. Naquela casa permaneceram meus pais e minha irmã caçula, Ana Cândida. Meus irmãos mais velhos, Luiz e José – na época – já moravam em São Paulo. Em 1974, já tarde da noite, minha mãe Nilce acordou assustadíssima. “Luiz, tem ladrão no telhado”. Gonzaga pegou o revólver 32, uma relíquia de seis tiros, e partiu em busca do invasor. O barulho vinha do telhado dos fundos, próximo da cobertura da “Cisterna do Gonzaga”. Foi quando telhas começaram a voar, jogadas do alto da casa, na sua direção. Papai Luiz recuou, catou uma lanterna e voltou com a máquina engatilhada. Iluminou na direção do vulto e exclamou, aos gritos: “Santo Deus! Não pode ser! Um gorila? Nilce, tem um gorila no telhado.” “Luiz, deixa de brincadeira e vem dormir.” Ele ligou para os bombeiros. Nada. “Trote é crime!” Foi o que disseram. Desligou. Ligou então para o governador, amigo da família. “Luiz, você bebeu?” Juro que não, insistiu. Mamãe Nilce – até então – calma e rindo muito. A coisa ficou séria, quando o gorila desceu do telhado, mordeu o Júlio, o jardineiro da casa – que tentava espantá-lo com um pau de vassoura – e começou a depenar os galhos das samambaias do jardim. “Luiz, atira no filho de uma puta!” O gorila parecia divertir-se, muito! A polícia chegou cedo – a mando do governador – que acionou a brigada dos bombeiros. “Um gorila!”, exclamou o sargento responsável pela operação de resgate do gorila: “Também pudera: água fresca e selva!” Papai – emputecido – sorriu! A fera foi então capturada e enjaulada – isso depois de três tiros de tranquilizante. O que na época se soube: gorila macho, fugido do zoológico da “Cidade da Criança”, distante alguns quarteirões de casa. A Família Paula deixou o Ceará – definitivamente – no ano de 1982. A Vila Santa Teresinha foi então vendida e, anos depois, demolida. No terreno, hoje, funciona um imenso estacionamento pertencente ao Banco Central do Brasil. A “Cisterna do Gonzaga” ficou mesmo famosa em agosto de 2005. Ladrões cavaram um túnel de 80 metros de comprimento, 70 centímetros de largura e 4 metros de profundidade, saindo da Rua 25 de Março, rua dos fundos da Vila Santa Terezinha, passando pela Av. D. Manoel, até à tubulação das águas pluviais da Av. Heráclito Graça, onde ficava o cofre do banco. A obra tinha energia elétrica, iluminação e ventilação sofisticada. Segundo a Polícia Federal, os ladrões roubaram 164 milhões de reais (69.8 milhões de dólares, na época). A epopeia do roubo e da construção do túnel registrou, na história de roubos, o momento hilário – e hoje documentado, inclusive em filmes – em que os bandidos atingiram o concreto da “Cisterna do Gonzaga” pensando ser a blindagem do cofre. O túnel ficou parcialmente inundado. Perderam três dias para retirar toda a água, tapar o furo e fazer um desvio estratégico, dessa vez, passando por baixo da casa da esquina, da família do médico Biasoli. Tiveram que cavar mais 15 metros até atingirem finalmente a blindagem do cofre, para, com sucesso, realizar um dos maiores roubos da história do Brasil.