Pesquisar

TRAJANO, O ANJO DA MORTE E O REVÓLVER TAURUS CALIBRE 32 DE SEIS TIROS

José Trajano - gordo e imenso - era matador de aluguel. Habitava a região do Abrigo Central “Três de Setembro” (1949 - 1967), centro de convivência localizado na Praça do Ferreira, na Fortaleza dos anos 1950 e 1960. Trajano - vestia-se, sempre, de terno branco - fazia ponto na Livraria Alaor e no tamborete dos fundos do Café Presidente. Era no café - no melhor da tarde - que tratava do negócio das “encomendas” do dia. Não era “careiro”, cobrava preço justo. Trajano era respeitado pelos comerciantes e frequentadores do Abrigo Central. Ninguém - de juízo apurado - mexia com ele. Um desafeto seu - irmão de uma vítima em busca de vingança - o emboscou, pelas costas, nas escadarias da Praça dos Leões. Trajano levou 12 facadas e caiu. Meu pai Luiz e um amigo o socorreram. Trajano foi colocado na “caçamba” de um Jeep Willys e levado para a Santa Casa de Misericórdia. Diziam - na época - que havia sido salvo por causa das “banhas”. Papai, de pronto, retrucava: “O capeta sabe o que faz!”. Risos. Papai cuidou do anjo torto, comprou remédios, ataduras e o visitou duas ou três vezes no hospital. Recebeu alta do hospital e - durante alguns meses - sumir do mapa. E do nada, numa manhã de domingo, bateu na porta de casa. “Luiz, você tem visita.” Era o Trajano. “Filho - papai falando - aqui é conversa séria, de gente grande. Vai brincar no quintal.” Não fui. Fiquei de “escuta”, escondido debaixo da mesa da sala de jantar. “Dr. Luiz - Trajano falando - vim aqui agradecer o Senhor ter salvado a minha vida.”. “Sou - agora - um homem endividado com a sua graça.” Sentou-se, puxou o revólver da cintura, e o colocou na mesinha da sala de visitas. Papai falando: “Trajano, você não me deve nada.” “Teria feito o mesmo por qualquer outra pessoa”. Justificava-se, de olho no revólver. “Dr. Luiz, preciso pagar a minha dívida. É questão de honra!” Trajano tirou do bolso um pedaço de papel e disse: “Dr. Luiz, escreve ai o nome do desafeto.” Papai argumentou, explicou, insistiu e não conseguiu convencer o anjo da morte. Trajano - já impaciente - começou a mexer no revólver, girando-o feito um peão. Repetiu o giro - duas ou três vezes - até o cano parar apontado para o meu pai. “Estou esperando!” Insistiu. Papai Luiz - num golpe de gênio - salvou dois coelhos com um tiro só. “Trajano, quero, então, o revólver de presente!” Trajano surpreso, respondeu: “É seu”. “Já está amaciado de dedo”. A máquina já levou deste mundo 15 cabras ruins para o inferno!”. “Estamos acertados?”. Papai Luiz, calmíssimo, respondeu: “Sim”. “Estamos acertados!”. José Trajano - o anjo da morte - pediu um copo de água gelada e foi embora. Sumiu. Morreu de um infarto em 1967, no mesmo ano que o Abrigo Central “Três de Setembro” foi demolido. Antes de morrer - ainda - baleou e matou o seu esfaqueador, com um único tiro, no coração. O revólver calibre 32, Taurus, seis tiros, cabo perolado, hoje, é guarda da coleção de armas da família. Não mata mais, não se farta de balas e nem queima pólvora pela boca de aço. Quando o tambor gira, gira apenas a roleta da memória. Apenas isso e nada mais.

João Scortecci