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LACERDINHA E OS POLÍTICOS DE ÉPOCA

No começo dos anos 1960, a “lacerdinha”, um insetozinho asiático, minúsculo, de cor negra, se tornou uma praga nacional. Uma peste! O sugestivo apelido era em referência ao político carioca Carlos Lacerda (Carlos Frederico Werneck de Lacerda, 1914 - 1977), famoso por sua radical e raivosa oposição aos presidentes Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. Um pentelho! Na Fortaleza daquela época água de beber chegava nas casas de carroça-pipa, puxada por jegue. O carroceiro colocava o “burro na sombra” e lá ficava, no silêncio do pé de fícus-benjamim - no melhor da Avenida D. Manuel, esquina com a Av. Duque de Caxias. Mamãe Nilce comprava, semanalmente, três latões de água com 20 litros cada. Recomendava, sempre: “Cuidado com as lacerdinhas na água!" Os galões enchiam um imenso pote de barro, que dormia do lado de fora da casa, na porta da cozinha. Água “boa” de beber, da adutora do Acarape, só chegou na cidade no inicio dos anos 1970. A água com lacerdinha era filtrada e depois fervida. O problema não eram as lacerdinhas: “o que não mata engorda!” Ditado popular da época de criança. O problema era um gato-dourado de nome Charles Boyer, de propriedade do meu irmão Luiz, que do alto do muro do vizinho, mijava - diariamente - dentro do pote. O pior: ninguém conseguia pegar o safado do gato. Com o tempo ficou assim: água com mijo! Na biblioteca da casa, mamãe Nilce lia e acompanhava o reboliço politico da época: "Memórias de Carlos Lacerda", em quatro volumes, encadernação de luxo. Papai Luiz, do canto da porta, provocava: “Nilce, esse Lacerda é mesmo uma praga!”. Risos. Tudo para o meu pai Luiz era motivo de piada. O gato Charles Boyer era loiro e cotó. Dormia trepado nos galhos do pé de fícus, no melhor da hora, de olho na chegada da carroça-pipa, na espera do espelho de macho, no reflexo das águas do pote de barro. 

João Scortecci