Pesquisar

DICTIO VATE ERA UM ENGODO COM AS PALAVRAS

Dictio Vate era um engodo com as palavras. Filho de uma beata e um ex-padre de Rolandia, cidade do interior do Paraná. Misturava tudo: histórias, expressões, frases e palavras. Pensava uma coisa e dizia outra. Eu o conheci no início dos anos 1980, trabalhando como aprendiz em uma gráfica na Avenida do Estado, na capital paulistana. Dictio Vate vivia encrencado e com a cabeça na forca. "Quer morrer?" Não. Então ficar calado, de boca fechada. Um segredo, disse-lhe: Antes de soltar a língua, mastiga primeiro as ideias na cabeça. Saliva, saliva, saliva e depois cospe. "Entendeu?" Insisti. Dictio Vate balançou a cabeça concordando. "Vou tentar" Disse. É que o Calepini anda dizendo que eu sou um dislexo compulsivo. Dislexo? Que eu sofro de transtorno dictioso, que afetou minhas habilidades de leitura e linguagem. Calepini disse isso? Disse. Aquele italiano de tipos é um mala, não dá bola. Calepini é um doido do chumbo! Saliva, saliva, saliva e depois cospe, que a raiva passa. Dizem que o Calepini está - misteriosamente - trabalhando na edição de um "Dictionarium". Quem disse isso? Quis saber, curioso. A fofoqueira da Verbete, mulher do Gutenberg. Outro garrancho! Ele “suga” as palavras da cabeça do povo e joga tudo lá, no inferno do chumbo. Um ladrão dos demônios! Afana as ideias e depois vomita tudo na barriga da gorda. Gorda? Apelido da caixa de tipos móvel da tipografia do Gutenberg. Dictionarium? Um engodo alfabético, algo assim. Verbete diz que ele incorporou o espírito do chinês Hou Chin, pai do primeiro Dictionarium. Bruxaria! Dictio Vate, você bebeu? Não. Está possuído? Também não. Então relaxa e respira fundo. Posso cuspir uma praga na desgraça do Calepini? Já salivou? Já. Então pode.  

João Scortecci