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DONATUS, TESTEMUNHA OCULAR DA HISTÓRIA

João Donatus nasceu no ano de 1928, na cidade de Nova Bréscia, no Rio Grande do Sul, conhecida como a “Cidade dos Mentirosos”. Cruzava os dedos e jurava: nunca contei uma mentira! Veio morar na cidade de São Paulo, ainda adolescente, nos anos 1940. Trabalhou no Mercado Central, vendendo secos e molhados, foi coveiro no Cemitério do Araçá e depois funcionário do Mappin, da Praça Ramos de Azevedo, até tirar a sorte grande na Loteria Federal e ficar milionário. Largou o emprego, a namorada, a pensão onde morava no bairro de Santa Cecília e escafedeu-se! Virou cidadão do mundo! Conheceu o Egito, a Itália, a França, os Estados Unidos da América, a Alemanha, o Japão e a Austrália, seu sonho desde criança. Adorava cangurus. Lembro-me que uma vez lhe perguntei sobre o gosto estranho. Disse-me: “Gosto e pronto!” Conhecemo-nos no Mercado de Pinheiros, no final dos anos 1980, numa exposição sobre a história do bairro, da fundação da Aldeia de Nossa Senhora da Conceição dos Pinheiros, de 1560, quando indígenas Tupi migraram para a região, estabelecendo um núcleo próximo ao atual Largo da Batata. João Donatus estava lá, no meio da roda, firme, lorotando. Parei para escutá-lo, também. “Quem é ele?”, quis saber. Alguém me respondeu, no pé do ouvido: “Donatus, a testemunha ocular!”. Ninguém arredava o pé. Contou da sua participação em maio de 1968, em Paris, e na greve geral que ganhou proporções revolucionárias na França; sobre Dallas, no Texas, onde presenciou o assassinato do presidente Kennedy, em 1967; da sua visita ao Cabo Canaveral, em 1969, onde assistiu à subida da Apollo 11, rumo à Lua; da cobertura jornalística que fez da Batalha da Rua Maria Antônia, em 1968, entre alunos da Filosofia da USP e alunos do Mackenzie; do Festival de Woodstock, em Bethel, no estado de Nova York, em 1969, onde acampou, fumou maconha e ainda namorou uma famosa estrela da música; do jogo de futebol em 1969, entre Vasco X Santos, no Maracanã, quando viu Pelé fazer, de pênalti, o seu milésimo gol; do incêndio do Edifício Joelma, em São Paulo, em 1974, onde trabalhou socorrendo feridos; da queda do muro de Berlin, em 1989, quando ajudou a demolir o Muro; do dia histórico das Diretas Já, na Praça da Sé, em São Paulo, no ano de 1984. E, então, calou-se, já tarde da noite. Trocamos cartões e abraços. “Até breve!” Durante alguns anos, vez por outra, aparecia na Galeria Pinheiros, onde, até o ano de 1992, funcionou a Scortecci Editora. Donatus, quando provocado, chamado de papudo, mentiroso, ficava bravo. Mostrava ingressos, passagens, cartas, fotos. Tinha um diário, onde colava e anotava tudo. João Donatus faleceu no ano de 2022, vítima da Covid-19, aos 94 anos de idade. Não nasci na cidade de Nova Bréscia. Juro. Nasci na cidade de Fortaleza, no Ceará. Lá, também gostamos de contar histórias incríveis, cheias de aventura, compridas, duvidosas e alucinógenas. Nunca histórias mentirosas. Jamais! Exageradas, talvez.

João Scortecci