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BARTOLOMEU CAMPOS DE QUEIRÓS: "A LEITURA PARA QUEM AINDA NÃO APRENDEU A LER

Morre o líder, morre a ideia! Triste isso. Sina? Talvez. Lendo sobre o trabalho do escritor e professor mineiro Bartolomeu Campos de Queirós (1944 – 2012), deparei com o manifesto escrito por ele, “Movimento por um Brasil Literário" ( MBL), do ano de 2009. Encontrei o manifesto completo na página de uma associação que, na época, apoiou o movimento. Encontrei, também, o endereço do movimento na Internet, mas fora do ar. No endereço (brasilliterario.org.br) localizei algo sobre como funciona o Sisu, o processo de seleção para a universidade e uma explicação de como participar do processo de Inscrição do Sisu. Nada sobre o MBL, infelizmente. O que consegui apurar: "O Movimento por um Brasil Literário (MBL) encerrou formalmente suas atividades devido à falta de recursos financeiros para manter suas ações. Com um manifesto escrito por Bartolomeu Campos de Queirós, em 2009, o movimento buscava transformar o Brasil em uma sociedade leitora, defendendo a literatura como um direito fundamental". E nada mais. Bartolomeu Campos de Queirós, faleceu três anos depois do manifesto, no dia 16 de janeiro de 2012, com 67 anos de idade, devido a complicações de uma insuficiência renal crônica. Tudo, então, saiu do ar, perdeu o ânimo, morreu junto. Não conheci Bartolomeu Campos de Queirós, pessoalmente. Uma pena. Dói saber que o perdi. Publicou mais de 40 livros, formou-se em Educação e Artes, cursou o Instituto de Pedagogia em Paris e participou de importantes projetos de leitura no Brasil, como o ProLer – Programa Nacional de Incentivo à Leitura, iniciativa criada em 1992, vinculada à Fundação Biblioteca Nacional, que visa promover o acesso e o hábito da leitura, formando mediadores e fortalecendo a cultura de leitura em todo o País. O ProLer – foi o que descobri na Internet – ainda existe, mas anda sumido do meio, perdeu força, infelizmente. Lembro do lançamento do ProLer. Na época estava na diretoria executiva da Câmara Brasileira do Livro. Bartolomeu recebeu os prêmios: Grande Prêmio da Crítica em Literatura Infantil/Juvenil pela APCA, Jabuti, FNLIJ e Academia Brasileira de Letras. Em 2008, foi entrevistado pelo Museu da Pessoa, como parte do projeto “Memórias da Literatura Infantil e Juvenil”, e expôs sua relação com as palavras: “A minha contínua busca por novas palavras foi o meu exercício de infância”. Confesso: seu depoimento mexeu comigo. Sou, desde a adolescência, um apaixonado pela descoberta de novas palavras. Tenho paixão por dicionários e os coleciono aos montes. Alguns, até repetidos. Sou exagerado! Pesquisando sobre formação de leitores e hábito de leitura, encontrei na Internet um pequeno texto do humanista Bartolomeu Campos de Queirós: “Ler é inteirar-se de outras proposições, é confrontar-se com outros destinos, é transformar-se a partir da experiência, vivenciada pelo outro e referendada pelo fruidor. Existe, pois, ação educativa maior do que esta de formar leitores?”. Texto incrível, diz tudo! Abri o bloco de notas e guardei a palavra "fruidor": quem ou o que frui de algo. Tem origem na palavra "fruir", mais o sufixo "dor". Dói saber que o perdi. Eu e as proposições do dia. Segue o manifesto do MBL, na integra: “O Movimento por um Brasil Literário manifesta sua intenção de concorrer para fazer do País uma sociedade leitora. Reconhecemos como princípio o direito de todos de participarem da produção também literária. No mundo atual, considera-se a alfabetização como um bem e um direito. Isto se deve ao fato de que com a industrialização as profissões exigem que o trabalhador saiba ler. No passado, os ofícios e ocupações eram transmitidos de pai para filho, sem interferência da escola. Alfabetizar-se, saber ler e escrever tornaram-se hoje condições imprescindíveis à profissionalização e ao emprego. A escola é um espaço necessário para instrumentalizar o sujeito e facilitar seu ingresso no trabalho. Mas pelo avanço das ciências humanas compreende-se como inerente aos homens e mulheres a necessidade de manifestar e dar corpo às suas capacidades inventivas. Por outro lado, existe um uso não tão pragmático de escrita e leitura. Numa época em que a oralidade perdeu, em parte, sua força, já não nos postamos diante de narrativas que falavam através da ficção de conteúdos sapienciais, éticos, imaginativos. É no mundo possível da ficção que o homem se encontra realmente livre para pensar, configurar alternativas, deixar agir a fantasia. Na literatura que, liberto do agir prático e da necessidade, o sujeito viaja por outro mundo possível. Sem preconceitos em sua construção, daí sua possibilidade intrínseca de inclusão, a literatura nos acolhe sem ignorar nossa incompletude. É o que a literatura oferece e abre a todo aquele que deseja entregar-se à fantasia. Democratiza-se assim o poder de criar, imaginar, recriar, romper o limite do provável. Sua fundação reflexiva possibilita ao leitor dobrar-se sobre si mesmo e estabelecer uma prosa entre o real e o idealizado. A leitura literária é um direito de todos e que ainda não está escrito. O sujeito anseia por conhecimentos e possui a necessidade de estender suas intuições criadoras aos espaços em que convive. Compreendendo a literatura como capaz de abrir um diálogo subjetivo entre o leitor e a obra, entre o vivido e o sonhado, entre o conhecido e o ainda por conhecer; considerando que este diálogo das diferenças, inerente à literatura, nos confirma como redes de relações; reconhecendo que a maleabilidade do pensamento concorre para a construção de novos desafios para a sociedade; afirmando que a literatura, pela sua configuração, acolhe a todos e concorre para o exercício de um pensamento crítico, ágil e inventivo; compreendendo que a metáfora literária abriga as experiências do leitor e não ignora suas singularidades. Outorgando a si mesmo o privilégio de idealizar outro cotidiano em liberdade, e movido pela intimidade maior de sua fantasia, um conhecimento mais amplo e diverso do mundo ganha corpo e se instala no desejo dos homens e mulheres promovendo os indivíduos a sujeitos e responsáveis pela sua própria humanidade. De consumidores passa-se a investidores na artesania do mundo. Por ser assim, persegue se uma sociedade em que a qualidade da existência humana é buscada como um bem inalienável. Liberdade, espontaneidade, afetividade e fantasia são elementos que fundam a infância. Tais substâncias são também pertinentes à construção literária. Daí, a literatura ser próxima da criança. Possibilitar aos mais jovens acesso ao texto literário é garantir a presença de tais elementos, que inauguram a vida, como essenciais para o seu crescimento. Nesse sentido é indispensável a presença da literatura em todos os espaços por onde circula a infância. Todas as atividades que têm a literatura como objeto central serão promovidas para fazer do País uma sociedade leitora. O apoio de todos que assim compreendem a função literária, a proposição é indispensável. Se é um projeto literário é também uma ação política por sonhar um País mais digno.” Texto lúcido, inteligente, inspirador. Tudo para dar certo e não deu, ainda. Tudo para fruir e mudar o Brasil que somos. Morre o líder, morre a ideia!? Nunca.

João Scortecci