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VERDADES E VERSÕES DOS LIVROS

Não estávamos lá! A História contada nos livros: farsa ou verdade? Estudos afirmam que parte dela – quanto? – não corresponde aos fatos reais, de verdade absoluta, nem de farsa completa. Exemplo: a história do Brasil. Era criança – isso no Ceará dos anos 1960 –, quando o professor de história nos contou a versão não oficial da Independência do Brasil. Arregalei os olhos. Será? Levei a “versão não oficial” para o meu pai Luiz, na hora do almoço. Papai escutou. Parecia distante, pensativo. Terminou o almoço, comeu a sobremesa – duas rodelas de abacaxi – uma xícara de café preto, um gole de Drambuie e, por fim, acendeu um imenso charuto cubano. Esperei, pacientemente. Olhou-me e perguntou: “Filho, o que garante que o seu professor de História está dizendo a verdade? Ele estava lá, por acaso? Certeza que não!”. Deitou-se, então, na rede da varanda e dormiu. Na aula seguinte de História, leve a dúvida para o professor: “Professor, como o Senhor sabe que a sua história sobre a Independência do Brasil é a verdadeira?”. Silêncio. O professor fez cara feia. Surpreso? Talvez. Um amigo da classe me cutucou e resmungou no meu ouvido: “Cala a boca!”. Foi o que fiz. Passei de ano escolar com nota 5, o suficiente para escapar da recuperação. Desde criança – confesso – sou apaixonado por História. Juro: deveria ter estudado História! Tenho amigos historiadores, muitos, e adoro escutar sobre suas descobertas, suas versões, suas meias verdades. Um detalhe: nós escritores também somos assim, meio mentirosos, adoramos inventar narrativas. Acessei a IA – Inteligência Artificial e fiz a pergunta em aberto, aquela, de 55 anos atrás, que ficou sem resposta. A IA, de pronto, respondeu-me: “A história contada nos livros não é uma verdade absoluta ou uma mentira. É uma interpretação dos fatos baseada em evidências. A História é uma ciência social, não exata, e o conhecimento histórico está em constante processo de revisão e reinterpretação à luz de novas fontes e perspectivas. Os livros buscam a verdade por meio da análise de fontes históricas, mas a narrativa final é influenciada pela subjetividade do historiador e pelo contexto em que o livro foi escrito.” Papai Luiz tinha razão. Hoje, relendo o meu diário, o caderno número 3, encontrei o dia do acontecido, da pergunta feita para o professor de História, sobre a Independência do Brasil. Refiz, então, a pergunta, desta vez para a IA. Ela, desconfiada, respondeu-me: “A IA não sabe se uma história ou um livro é verdadeiro ou falso, pois ela não entende a verdade da mesma forma que os humanos. A Inteligência Artificial é uma ferramenta que gera respostas com base em padrões estatísticos e dados em que foi treinada, e não em uma compreensão empírica ou consciência da realidade.”. Entendi, acho. Aqui com os meus Dragões da Independência, Cavalaria Imperial de Dom Pedro I: “Gostava mais da versão antiga, romantizada, contada nos livros da minha infância!”. Era assim: Pedro no seu cavalo, às margens do riacho do Ipiranga, erguendo sua espada e gritando: “Independência ou morte!”. Ponto. Quando conheci, no Museu do Ipiranga, o quadro pintado por Pedro Américo (1843 – 1905), sobre o “Grito do Ipiranga”, lembrei-me da história contada pelo professor de História: “Nem verdade absoluta, nem farsa completa!”. Perguntei-lhe: “Você estava lá?”. Silêncio. Um desconhecido me cutucou e resmungou: “Cala a boca!”. E acrescentou: "Você sabia que Pedro Américo, o pintor, quando da Independência do Brasil, ainda não havia nascido?". Continuou, irado: "Sabia que a obra foi uma encomenda de Pedro II, pai de Pedro I, e que ela só ficou pronta em 1888?" E completou: "Ele não estava lá!". Naquela tarde – de reminiscências – fiquei ali parado, perdido, olhando durante horas o belíssimo quadro de Pedro Américo, analisando as fragilidades da história: apaixonante e cruel. Feita de verdades e mentiras. Desconfio que a IA não sabe do que falo. Não estava lá, nunca esteve, nunca vai estar em lugar algum. Calei-me, então.

João Scortecci