Serafina era uma gata. Aquelas de pelo, rabo peludo e vibrissas. Tinha cheiro de jasmim, presente de Deus. Surgiu no meio de um sonho confuso, cheio de labirintos, corredores e pirâmides. Egito, talvez. Acordei e ela estava inteira na minha cabeça. Ela e mais ninguém. Perguntei-lhe, então: Quem é você? Ela respondeu: "A deusa Bastet, o fogo puro!" Andou pelo quarto, espiou pela janela entreaberta, soltou um miado e desapareceu, misteriosamente. Sonho maluco! Não dormi mais. Sentei-me na cadeira do quarto e esperei pelo sol do dia. Serafina ficou inquieta, movediça, vagando dentro de mim. Bela, ardente, em chamas! Na noite seguinte Serafina voltou. Quem é você? Insisti. Foi quando ela me disse - finalmente - o seu nome: Serafina! Engraçado, pensei: eu já sabia! Como? Não sei. E repetiu: "A deusa Bastet, o fogo puro!" Explicou: "Eu venho de dentro de você, das suas entranhas, das suas tripas, da sua alma." Gelei. Seria a morte? Talvez. Serafina esfregou-se na minha perna, andou pelo quarto, subiu na janela e me trouxe de presente uma lagartixa morta. Colocou-a no meu colo e subiu no alto da estante de livros. Ficou por lá, com o rabo abanando a capa do livro "O Segredo", da escritora australiana Rhonda Byrne. Dormi, exausto. Acordei e Serafina havia sumido. Retirei o livro da estante e li partes, pequenos trechos, pedaços. Pesquisei sobre Bastet, filha do deus-sol Rá, deusa associada à fertilidade, música, dança, amor e proteção. Esperei por ela mais outras noites, mas ela misteriosamente não veio. Na verdade nunca mais voltou. Coloquei a lagartixa morta num saco plástico e a joguei no lixo. Foi na vida a única Serafina que conheci, a gata que tinha cheiro de jasmim. Bela, ardente, em chamas! Hoje reli o livro O Segredo. Inteiro. Serafina estava lá, esperando por mim. Disse-lhe: Demorei, né? Serafina, então, vibrissou-se. Fogo puro, Bastet, imensidão: até o céu.
João Scortecci
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