Já criei uma jabota. Criamo-nos! O quintal lá de casa no Ceará dos anos 1960 e 1970, era de meio quarteirão, somando as quatro casas da Família Paula, batizadas de Vila Santa Terezinha, santa de devoção e muita reza da minha avó paterna Sarah do Carmo. A jabota aparecia no latifúndio na época do círculo das águas - inverno no Ceará - e sumia do mapa no calor do verão. Foi assim durante anos. Mudei-me para São Paulo em 1972 e a moça da carapaça ficou por lá, esquecida em algum lugar do passado. Hoje a Vila Santa Terezinha não existe mais, virou um grande estacionamento de propriedade do Banco Central do Nordeste. Filomena, a jabota, era uma legítima “piranga”, heroína silvestre do folclore indígena. Diz à lenda que no dorso da sua carapaça - inviolável - moram os segredos e os sonhos místicos da floresta. Iara, senhora das águas, dorme - todas as noites - na carapaça de uma jabota, protegida da mula sem cabeça, do anão curupira e do lobisomem das luas. Saci Pererê, menino alegre e peralta, quando a mata arde e queima, deita-se na relva para escutar os conselhos sábios do um velho Jabuti. E juntos, choram a dor da vida. Boitatá, cobra de fogo que protege a floresta da desgraça humana, é irmã do bem. É ela quem primeiro alerta a bicharada do perigo do fogaréu. O boto-cor-de-rosa, diz a lenda, se transforma num homem charmoso e sedutor, frequenta bailes e festas nas margens dos rios da Amazônia. Disfarçado com roupas brancas e chapéu feito do couro de jabota, seduz as moças solteiras, as leva para o rio, as engravida e depois desaparece na noite escuta. Até a Cuca, bruxa má, que sequestra e come crianças que desobedecem a seus pais respeita os jabutis. Isso tudo depois de lembrar - do nada - do anjinho de gesso que a professora Rosa me deu de presente no aniversário de 8 anos, quando ainda era menino de tudo. Ela com um beijo, disse-me: "Coloque o anjinho na cabeceira da sua cama, junto com a jabota Filomena! Foi o que fiz. Hoje, nos meu sonhos de criança, sempre, pergunto por eles. É quando, então, penso nas sazonalidades que é a vida.
João Scortecci