Coleciono máquinas de escrever. Portáteis. Mais uma das minhas manias. Sou assim: vou e volto no tempo, no meu tempo. Quando da popularização dos computadores e do lançamento do Windows 98, tratei de me desfazer de todas. Sofri muito. Gostava delas. Depois de alguns anos – inesperadamente – recomecei nova coleção. Hoje tenho quatro máquinas de escrever, todas mecânicas, de marcas diferentes. Cada uma delas tem a sua história. “João, você quer uma máquina de escrever?” “Quero!” Simples assim. Outro dia apanhei com uma delas para lembrar onde ficava a trava para liberar o carro. Achei a resposta num vídeo explicativo no YouTube. Acontece. Coloquei papel no carro, girei o rolo e comecei a escrever uma carta, na verdade um bilhete, para uma cápsula do tempo, a pedido de um amigo poeta. Achei oportuno que o bilhete fosse escrito numa máquina de escrever. Frescura minha! Troquei a fita, limpei os tipos, ajustei o espaço duplo e lubrifiquei as teclas. Todas perfeitas! O som das teclas surrando o papel é algo incrível, que não se esquece nunca. Para quem não sabe – para dois terços da população hoje do planeta – o desenho do teclado QWERTY, desenvolvido para máquinas de escrever, continua sendo o padrão para teclados de computador. Um detalhe: na máquina de escrever você tecla – digita – e a engenhoca imprime na hora. Nada de perder tempo ligando a impressora, colocando papel na gaveta e tendo que digitar “Ctrl P”. Li o bilhete. Não gostei. Reescrevi-o mais duas vezes. Satisfatório! Coloquei data e assinei com caneta Bic, tinta azul. No Ceará dos anos 1960, aluno do Colégio Cearense, participei de uma cápsula do tempo, que deveria ser aberta 50 anos depois. Tenho informações que foi aberta. Não pude ir ao evento. Meu irmão José foi. Confesso: não me lembro o que escrevi na época. Esqueci. Liguei para o meu amigo – um jovem e talentoso poeta – e lhe disse: “Minha carta do tempo está pronta! O que faço?”. “Envie pelo WhatsApp”, respondeu. “Não posso! – protestei – Minha carta foi maculada numa máquina de escrever Olivetti dos anos 1970.” Silêncio. Fui, então, até a sua casa e entreguei o bilhete em mãos. “E agora?”, quis saber. Ele, então, explicou: “Vamos abrir a cápsula do tempo daqui a 50 anos! Quero ver você por lá”. Insistiu. Fiz as contas de cabeça. Impossível. Precisaria viver – bem e lúcido – até os 120 anos de idade. Apertei o “Shift” da máquina de escrever – travando a tecla – e acionei a trava de segurança. Foi para o estojo assim: travada! E assim vai ficar. Já disse: vou e volto no tempo, no meu tempo.
João Scortecci
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