Papai Luiz acendia o pavio com o cigarro da boca do Judas e gritava: "Corram que o papoco vai ser grande!" Corríamos todos: até o tronco da imensa amendoeira-da-praia. Lá - no dorso mágico do chapéu-de-sol, estávamos seguros. E o Judas, o Iscariotes, voava aos pedaços: papocava! Papai Luiz e meu tio Mário Capelo, eram os responsáveis pelo fogaréu. Bombas rasga-lata na cabeça, na barriga, nos braços, nas pernas e nas calças do Judas. O pavio do estopim ficava na boca, na língua escarlate do Judas. Bastava acender o cigarro continental sem filtro e esperar queimar até o cotoco. Mamãe Nilce e tia Lenira, cuidavam do Judas: enchimentos, maquiagem, roupas, chapéu e sapatos. E nós: da gritaria! A "Malhação de Judas" é uma tradição popular, trazida pelos colonizadores espanhóis e portugueses, que acontece nos sábados de Aleluia, que se resume em surrar – com pau de vassoura e bambu - e depois atear fogo, pendurado num poste ou num pau de sebo, um boneco, que representa a figura do Judas Iscariotes, que traiu Jesus, conforme narrado nos Evangelhos do Novo Testamento. Com o tempo, além de Judas Iscariotes, a malhação passou a contemplar também políticos mentirosos, traidores, enganadores do povo. Na infância, gostávamos da farra, do fogaréu, quase sempre na “Casa da Floresta” dos meus tios Mário Capelo e Lenira, no Ceará dos anos 1960. Antes de detoná-lo aos céus, rezávamos pela sua alma pecadora, tirávamos fotos, servíamos café, tapioca e bolo de milho. Parte do ritual de morte. E ele, Judas, indiferente, aguardava o trágico.
João Scortecci
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