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LINDOLF BELL, O POETA DA GERAÇÃO DAS CRIANÇAS TRAÍDAS

Conheci o poeta Bell (Lindolf Bell, 1938-1998) nos anos 1980. Dizia sempre: “Menor que o meu sonho não posso ser”. Quem nos apresentou foi o também poeta catarinense Péricles Prade (1942-2024), na época Presidente da UBE – União Brasileira de Escritores. Avisou-me: “Scortecci, hoje o Bell vai relançar o seu livro ‘As Annamárias’, no Spazio Pirandello. Vamos?” Fomos em bando: eu, Péricles, Caio Porfírio Carneiro, Lauro Vargas e outros diretores da entidade. O Pirandello ficava na Rua Augusta, n. 311, na época ponto de encontro de jornalistas, escritores e intelectuais. Foi lá que conheci Loyola Brandão, Moacir Amâncio, Caio Fernando Abreu e outros. Naquela noite – inesquecível,  até hoje – de Catequese Poética, movimento de popularização da poesia que teve início na década de 1960, Bell declamou o “Poema das crianças traídas”: “Eu vim da geração das crianças traídas./ Eu vim de um montão de coisas destroçadas./ Eu tentei unir células e nervos, mas o rebanho morreu./ Eu fui à tarefa num tempo de drama./ Eu cerzi o tambor da ternura, quebrado.../ Eu sou a geração das crianças traídas./ Eu tenho várias psicoses que não me invalidam...” Aplausos. Durante alguns anos, vez por outra, trocávamos cartas datilografadas. Guardo-as no memorial da Scortecci Editora. Era seu desejo: "Há muitos anos tento um espaço descentralizador da cultura brasileira no Sul (em Blumenau, Santa Catarina) e gostaria de receber esta obra para revender em meu espaço cultural." Um detalhe, insignificante, talvez. Disse-lhe: “Bell, você precisa limpar os tipos da sua máquina de escrever!”. Ele, uma única vez, respondeu-me: “Farei isso!”.  As letras “e” e “o” da sua máquina de escrever eram engodos, pontos sujos: borravam o papel. A última carta que recebi do poeta de Timbó, data de 11 de maio de 1991, e nela Bell, escreveu: “De muitas maneiras (e não tantas neste país), as pessoas resistem no ofício.” Pensei, quando li: “Não podemos ser menores que os nossos sonhos”. Bell – o poeta da geração das crianças traídas – morreu jovem, no dia 10 de dezembro de 1998, aos 60 anos de idade. 

João Scortecci