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FORTALEZA DE LUZ E POESIA E O DIA 24 DE NOVEMBRO DE 1971

Fortaleza é luz. Iracema - a filha de Araquém - descansa suas águas na imensidão do mar. Jangadas, velas e ventos. Martin e Caubi partiram cedo na jangada dos peixes, nas linhas e nos caminhos da manhã. Eu, filho da terra, espero reencontrar Alencar, Rachel, Aderaldo, Romão Batista, Patativa e Outros. Quero o voo da Jandaia, os coqueiros do céu, os cheiros de sal e as farinhas do coração. Quero! No farol do Mucuripe, outro dia, escrevi o poema "são os olhos do mar". Minha terra é isso - isso tudo - cerol no coração, tempo e lembranças. Hoje é um dia especial na vida do menino tipográfico. No dia 24 de novembro de 1971, um anjo danado, apareceu no silêncio do quarto e disse-me: "Escreve o livro e segue o seu destino. Vai para a cidade grande e não volta!" Foi o que fiz. Naquele mistério de luz e revelações, abri um caderno de brochura e comecei, então, a escrever o poema sem-fim. Um diário, talvez. Dei-lhe um nome: Patave. São Paulo - a cidade grande - veio logo depois, no dia 16 de fevereiro de 1972, quarta-feira de cinzas, ano bissexto, ano do Rato. Parti com mala e cuia, no ônibus leito do Expresso Fortaleza e dois dias depois, desembarquei na Praça Júlio Prestes, no Terminal Rodoviário da Luz. E aqui fiquei. E ficarei. Tinha 16 anos incompletos. Na mala - meu time de futebol de botões, minhas coleções de selo e maços de cigarro, meu diário e um bilhete do anjo danado: "Não volte!" Na cuia, sonhos, muitos. Missão: vencer e vencer! Tinha um único medo: fracassar e perder do coração, os segredos do menino tipográfico. O anjo danado e pequenino - lembra o Pequeno Príncipe - veio junto, na cola. Inquieto, irritante e chato, que, desde então, sacaneia e me protege dos enjoos da vida. Companheiro? Desconfio. Eu o carrego e ele me leva, algo assim. Envelhecemos juntos. Nos suportamos aos trancos e barrancos há 53 anos. Naquele dia de luz, na Fortaleza de Iracema, Alencar, Rachel, Aderaldo, Romão Batista, Patativa e Outros, disse-me: "Não volte!" Foi o que fiz. Ainda somos três: Eu, Ele e o Menino tipográfico. 

João Scortecci