Em tempos de bienais do livro, tudo pode acontecer! Histórias não faltam. A Scortecci Editora participa das bienais paulistas desde 1994, quando o evento ainda acontecia no Pavilhão do Parque do Ibirapuera. O evento já circulou nos espaços do Anhembi, Expo Center Norte, São Paulo Expo (antigo Imigrantes) e por fim, a partir de 2024, no novo e moderno Anhembi. Na Bienal do Livro de 1998, na gestão do editor e gráfico Altair Ferreira Brasil, Presidente da Câmara Brasileira do Livro, entidade responsável pelo evento, eu fazia parte da Diretoria Executiva, como Diretor-Adjunto. No primeiro sábado do evento, dia de muito público, fui abordado no corredor principal do pavilhão, por um homem baixo, magro, óculos fundo de garrafa, de cinquenta e poucos anos, carregando uma pasta surrada, tipo 007. “Você é o Scortecci?”. Perguntou-me. “Sim.” Respondi. Ele, então, insistiu: “Podemos conversar em particular?”. O homem falava baixo, quase sussurrando. Parecia possuído. Mexia a cabeça e abraçava com força a pasta. Sujeito estranho, com perfil de adoidado, visivelmente perigoso e imprevisível. Respondi: “Aqui mesmo!” O homem fez cara de que não gostou. Pensei: deve estar carregando na pasta uma bomba, uma arma, algo assim. Vez por outra, durante as bienais do livro, a CBL recebe denúncias anônimas de bombas nos banheiros, no estacionamento ou nas bilheterias do evento. Ameaças não faltam. “Qual o seu nome?”, perguntei. Ele não respondeu. "O que você quer?", insisti. Ele, então, chegou mais perto ainda e sussurrou no pé do meu ouvido: “Eu estive com Jesus, o Messias!”. Silêncio. “Que privilégio! E o que Ele disse?”, quis saber, demonstrando interesse. O homenzinho, então, abriu a pasta 007 e tirou de dentro um maço de folhas de papel, amassadas, escritas a mão, amarradas com barbante de pão. Disse-me, então: “Você vai ter que ler o livro!” E não parou mais de falar. Soltou a língua. “Quero um contrato vitalício e uma edição inicial de 1 milhão de exemplares!”, sentenciou. Em seguida tirou da pasta um documento datilografado e acrescentou: "Antes, por favor, assine aqui um termo de confiabilidade e sigilo absoluto!”. Calma! Calma! "Você é doido?", protestei. "Posso saber quem indicou o meu nome?". Ele não respondeu. Pedi, então, o número do seu telefone, com a falsa promessa de retornar, no futuro, após o término da feira. Ele, então, anotou o número do telefone num pedaço de papel e o enfiou no bolso do meu paletó. Na hora o sangue ferveu! Depois, deu meia-volta e entrou no estande da editora Rocco, em frente. Escafedeu-se! Até hoje, quando reencontro o editor Paulo Rocco, pergunto-me, em silêncio: “Será que o homenzinho conseguiu entregar os originais do livro para o Paulo Rocco?”. Desconfio que não. Depois da estranha conversa - vindo dos céus e dos anjos -, surgiu o mago Paulo Coelho, que adentrou no estande da Rocco, cercado por seguranças e uma multidão dos infernos, na direção do espaço reservado para autógrafos. Jesus, o Messias, o aguardava, pacientemente, na fila dos imortais. Eu o vi. Assustado, decidi, então, continuar andando, a esmo, pelas ruas de livros e mistérios, no posto de Diretor de Plantão, da Comissão da Bienal, no ano de 1998.
João Scortecci