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DAS INOCÊNCIAS DE MENINO

Uva era raridade na infância, isso no Ceará dos anos 1960. Um dia – inevitavelmente – aconteceu ter que provar do fruto da videira. Confesso: provei e não gostei. Hoje, continuo não gostando. Uva e morango são frutas que não fazem o meu gosto. Acontece. Papai Luiz - eufórico – chegou e disse: Ganhamos um cacho de uva moscatel! Presente de um amigo de São Paulo. Cadê? Subimos na Rural Willys e fomos até o Pinto Martins, aeroporto de Fortaleza. A preciosidade chegou de jato Caravelle, pela Cruzeiro do Sul. Menino, cuidado, tem caroço! Foi o que disseram. Não engole que dá apendicite. Nó nas tripas! Prova e depois – se não gostar – cospe longe. Foi o que fiz. Disse: tem gosto de pitomba! Uva é iguaria de reis e rainhas e custa o olho da cara. Verdade? Registrei. Guardei, então, os caroços da sorte, num guardanapo. Coloquei as sementes para secar, no batente da janela, e depois, plantei, caroço por caroço, no terreiro do latifúndio da Vila de Santa Teresinha, na sombra do pé de graviola. Dia sim, dia não aguava e cutucava a terra com um pedaço de pau. Nada de brotar pé de uva. No silêncio da espera, arranquei tiriricas e acossei saúvas, formigas da bunda grande. Papai sabia que eu plantei uva no quintal? Uva? Ele me olhou e sorriu. Quando nascer você me avisa! Disse. A ideia de menino empreendedor era cultivar uvas e ganhar - muito - dinheiro. Ficar rico! Papai - brincalhão que só ele – todos os dias, dava corda. Mexia com a inocência do seu filho caçula. Foi assim que me ensinou – muitos segredos - sobre a vida. Dizia sempre: a vida é injusta e desleal. Risos. Filho, já nasceu o pé de uva? Não. Demora. Mãe, na fazenda de Dois Córregos, o vovô José Scortecci cultivava uva? Perguntei. Não. Cafezal e Granja. Filho! Pé de uva não nasce do caroço. Você precisa de mudas ou de um tipo especial de semente. Explicou. Nasce sim! Protestei. Nasce não! Insistiu. Papai ficou até de comprar - toda - a produção de uva do ano. Argumentei. Teu pai está “zoando” você. Está não! Vou ser agricultor e ficar rico, comercializando uva no Ceará. Foi quando Papai "percebeu" que a brincadeira havia ido longe demais. Filho pé de uva não nasce do caroço. Confessou. Quer um conselho de pai? Não. Respondi. Mesmo assim Papai sentenciou: Você vai morrer de fome! Meu sonho de agricultor e de ficar rico, durou pouco. Tinha, também, planos de cultivar cebolas. Havia lido no jornal que no Sul do país a safra, naquele ano, estava comprometida devido o excesso de chuvas. Na época, no Ceará, vivíamos um período de secas. Nada mais justo que explorar a oportunidade, pensava. Desisti de vez quando vi na enciclopédia Barsa a foto de um pé de cebola. Foi frustrante. Na minha inocência de menino empreendedor, jurava que as cebolas no pé davam em cachos, tranças, em réstias, iguais as que habitavam o prego da dispensa, que ficavam penduradas atrás da porta do tempo. Papai tinha razão: eu ia mesmo morrer de fome. 

João Scortecci