Todo mundo quer ir para o céu, mas ninguém quer morrer! Pareço cotoco de vela: pretendo queimar até o derradeiro pavio, se possível. Tendo memória: estou dentro! Descobri - outro dia - que pavio de vela "abduzido" queima até melhor - ou mais - que a própria cera. Relações exotérmicas, algo assim. Estudei “combustão” numa aula de física, isso no final dos anos 1970. Daquela época ficou - apenas - a poesia “Química oximel”, depois, publicada no livro “A morte e o corpo”, em 1984. E nada mais. Tenho duas caixas com velas: uma com as de reza e orações e outra, ainda lacrada, guardada no âmago da mochila do kit sobrevivência. O kit é antigo, mas o guardo na certeza que irei usá-lo, muito em breve. Dentro do kit tem de tudo: anzol, isqueiro, corda, canivete, apito, lápis, caderno, veles, capa de chuva, costura, primeiros socorros, garrafa, marmita, talheres, bússola e porta documentos. Na época, quando comprei pela Internet - julguei-me - um tremendo babaca. Mas depois do apagão de outro dia da Enel, das histórias sobre aquecimento global e as guerras, o pavio exotérmico da vida, reacendeu, de vez. Estava lendo - hoje - num blog sobre a falência visual, emocional e moral do centro da cidade de São Paulo. Que tristeza! O texto relembrava - nostalgicamente - o passado. Da beleza e da grandiosidade das lojas do centro da cidade, das vitrinas de luz, do comércio vigoroso, das bancas de revistas e jornais, das livrarias abarrotadas de gente, dos cafés, das praças e largos, dos cinemas e das pessoas em travessia: velozes e elegantes. Depois de ler o texto, sofrer junto, ler comentários, curtir e até palpitar, lembrei-me - não por acaso - dos escritores Mário de Andrade e Marcos Rey. Dois apaixonados e filhos da pauliceia desvairada. O que diriam - hoje - diante do caos absoluto? Morreria juntos. Amo São Paulo. Não menos importante, penso fazer um “upgrade” no meu kit sobrevivência. Pretendo - apertando cabe - incluir cinco livros imortais, pacote de fotografias de uma vida inteira, um pequeno dicionário, uma bota, um cortador de unhas, mais outro óculos para perto e um saquinho com sementes exotérmicas de memórias e lembranças. Junto, um vidrinho de extrato de água do Rio Pajeu, aquele que - no céu distante - banhou-me menino e - com amor, abduziu-me a alma.
João Scortecci
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