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O SEGREDO DO IDEÁRIO DE BAMBU

Dos segredos. Ideário – conjunto de aspirações de um poeta. Uma coletânea, algo assim. Amanheci “desavisado de tudo”, no melhor do pesadelo do dia. Anunciação? Talvez. Coisa de algum “anjo torto”, bolinando nos segredos do meu sono. Acontece. Ideário: descobertas, invenções, ideias, desafios e propósitos. Corpo de braçada de palitos de bambu. Feixe de amor, dor e paixão. Na agitação do espírito – inquieto e selvagem –, um desenho fracionado na terra do chão, refletindo fios, farpas, no pálido e frágil tapete de palitos. Alinhavados. Entrelaçados. Escuto algumas vozes: longe de tudo. Alucinações? O ideário voa e voa – liberto – na direção do nada. Premonição? Vento de curvas, assobios e labirintos. Ideário de vogais, consoantes, símbolos e sinais de pontuação: no papel do sal. Tração. Acolhimento. O ideário – o da infância – levou-me até à história antiga do menino chinês e seu pai, conversando, sentados na beira do rio Yang-Tsé-kiang. O menino – sabiamente – pergunta: “Pai, o que faço com os palitos de bambu?”. O Mestre mostrou-lhe, então, a verdade: “Junte-os, faça com eles uma braçada, um feixe, e, depois, tente quebrá-los ao meio.” O menino do Rio Azul – curioso – até que tentou, com força e mais força. “Pai, não consigo. O que faço?” “Nada!”, respondeu o pai. “Separados, os palitos de bambu são frágeis. Quebram com facilidade. São, apenas, letras desalinhadas do alfabeto. Nada dizem. Nada falam. Nada escrevem. Juntos, são fortes e resistentes. Criam raízes profundas. Escrevem palavras, frases, versos, histórias, pensamentos e ideias. Juntos, escrevem um ideário. Juntos, revelam segredos, aspirações, destinos”. O menino do Rio Azul, na agitação do espírito inquieto, escutou, sorriu e começou – sob o olhar do pai – a recolher, do tapete da terra, palitos de bambu. “Vou escrever o meu alfabeto", profetizou. Abriu o coração e começou, assim: “Era uma vez...”

João Scortecci