Pesquisar

NAVEGANDO NOS GALHOS DA GOIABEIRA

Na infância no Ceará, isso nos anos 1960, o navio pirata acontecia no dorso de uma goiabeira, que ficava no quintal da casa da vovó Sarah, avó paterna. Quem já “navegou” nos galhos verdes de uma goiabeira pirata, sabe que a danada balança adoidada, e com o perigo da sorte, enverga fácil, igual nau em tempestade no mar. Menino de tudo - um dia, no passado, desejei em ser bombeiro, motoqueiro rodoviário, mocinho pistoleiro com estrela de aço no peito, astronauta do espaço, jogador de futebol e, mais do que tudo, um temido pirata do mar. Lá, nos segredos das águas profundas, enterrei tesouros no céu, roubei beijos da lua, mordi coração, sofri avalanches, amarrei laços no rabo da onça do mato, joguei peteca com o silêncio das areias, brinquei de careta e pega-pega, pulei riscado no chão dos mapas da terra, ensaiei versos com os olhos do sol e caminhei, frágil, nas asas de Ícaro - na direção do túnel do tempo. Sobrevivi. Mamãe Nilce dizia, sempre: “A vida é veloz!” E foi. No quintal da casa da vovó Sarah tinha fruta de tudo. Salivávamos cheiros e pecávamos com gosto de boca grande, de sapo cururu: seriguela, romã, figo, ata, mamão, coco, cajá, graviola e goiaba, do imenso pé, aportado no meio do latifúndio. Meu pai Luiz - conhecendo o menino curioso que eu era - um dia, provocou-me, com um mistério: “você sabe onde se esconde o bicho da goiaba quando não é tempo de goiaba?”. “Não!” Respondi. Quis saber. Insisti. Papai Luiz sorriu e mudou de conversa. Gostava de dizer, com propriedade: “Amanhã resolvo o seu caso!” E assim era. Lendo sobre o “código de conduta” dos piratas do mar encontrei algo que me derrubou lá do alto, do galho da goiabeira: “O homem que fica para trás é deixado para trás.” Desconhecia - até então - a dureza do código dos piratas. Decepcionado? Talvez. Acontece. Meu pai Luiz, um dia - depois de almoço de família, do nada, segredou-se! Havia bebido vinho, fumado charuto cubano e "beiçado" vários tragos de licor Drambuie. Contou-me, finalmente, do segredo guardado: “Quando não é época de goiaba a mosca-das-frutas deposita seus ovos em outras frutas como o abacate, a pinha, o araçá, o cajá-manga, a laranja, a carambola, graviola, o pêssego, a manga, entre outras.”. A mosca pirata existe sempre. O que muda são as frutas de época. Papai Luiz, no dia do nosso ultimo abraço, aconselhou-me sobre os segredos da vida: “Filho, cuidado com as moscas piratas quando não for tempo de goiaba!” Ficou a lição. O mar é assim: perigoso e cruel. O homem que fica para trás é deixado para trás!

João Scortecci