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SEU ZIL DA SERINGA E DAS DOENÇAS CURÁVEIS

Nada sei do Seu Zil, o farmacêutico que aplicava injeções em domicílio, na Fortaleza/CE, dos anos 1960. Morava perto de nossa casa, na Rua Pero Coelho, no quarteirão entre a Avenida D. Manoel e a Rua 25 de Março. Seu Zil parecia sempre disponível e atendia a qualquer hora, dia ou noite. “Chama o Seu Zil!” E um corria lá e o trazia, de pronto. Carregava numa pasta de couro um pequeno estojo de aço com seringa e agulha. Acendia a boca do fogão e, ali mesmo, fervia suas ferramentas de tortura. Não me lembro de já ter visto – beirando os 70 anos – agulha maior. Exagero de criança, claro. Li certa vez que são elas - as crianças - que sabem com exatidão o tamanho real das coisas. E não os adultos, que, com a fragilidade dos anos, perdem a razão – e a dimensão do que seja a vida. Vovó Sarah era freguesa de carteirinha do Seu Zil. Lembro-me de também ter usado seus serviços algumas vezes. Seu Zil era miúdo, de idade, de pouca ou nenhuma conversa. Não fiava. Chegava, fervia seus apetrechos e, sem piedade, espetava a vítima da vez. Hoje, fecho os olhos e o vejo. Cabeça de cearense e orelhas de abano. Simples e humilde. Abro os olhos – assustado – e o enxergo no reflexo da seringa de vidro. Papai Luiz perguntava-lhe, sempre, brincando, talvez: “Zil, você troca – vez por outra – essa agulha?”. Seu Zil respondia, na lata: “Só quando quebra dentro”. Risos. Muitos risos. Naquela época – não tão distante – a vida era menos perigosa. As seringas e as agulhas eram – possivelmente – as mesmas, seu Zil não usava luvas e nem lavava as mãos quando chegava, e o buraco do furo era a prova do serviço feito, com sucesso. No Ceará da minha infância só existiam três doenças. Espinhela caída, doença de corno e arteriosclerose. Injeção, canja de galinha, Vick Vaporub e mercurocromo, quase sempre, resolviam. Outro dia, lendo sobre “terçol”, descobri que o povo chamava de “viúva” esse troço no olho. Engraçado foi saber que existe simpatia para curar a infecção decorrente de estafilococos. Segue a dica: tirar do dedo o anel de ouro, para quem ainda não o colocou no prego, e esfregá-lo, com resiliência, na cueca adormecida do marido falecido. Aquela cueca guardada ainda com o cheiro de uso. Depois do anel bem energizado e quente, colocá-lo na cabeça do terçol até formigar, de vez. Tiro e queda. Vovó Sarah dizia, sempre: “Vão-se os anéis e ficam os dedos!”.

João Scortecci