Pesquisar

BI SHENG, GUTENBERG E OS TIPOS MÓVEIS / JOÃO SCORTECCI

O artesão chinês Bi Sheng (990 – 1051 d.C.) era um sujeito estranho. Solitário e de pouca ou nenhuma conversa. Vivia enfronhado no porão do palácio de Sung Tai Tsu, imperador da dinastia Sung, que governou a China de 960 a 1279. Vivia sob a graça e a proteção do imperador. Estivemos juntos – três vezes – naquela vida, na China. Eu era aprendiz gráfico – 13 anos de idade –; ele, o alquimista do imperador, na época, com pouco mais de 50 anos de idade. “O que o mestre está fazendo?” Perguntei. Ele não me respondeu. Deixei o embrulho – com papel, tinta e argila – no chão de pedra e fui embora. O segundo encontro não foi muito diferente do primeiro. Bi Sheng levantou levemente a cabeça e me olhou, por alguns segundos. Apenas isso. Na terceira e última vez, levei mais argila e madeira seca para alimentar o forno. “O que o mestre está fazendo?” Insisti. Bi Sheng – disperso - respondeu-me: “Ideogramas!”. Recolhi o lixo, arrumei sua cama, alimentei o forno com lenha nova e – de passagem – dei uma espiada na sua invenção: pequenos blocos de argila que assavam numa pedra incandescente. Bi Sheng foi o inventor da primeira tecnologia de tipo móvel da história da humanidade, uma das quatro grandes invenções da antiga China. Entre 1041 e 1048, ele moldou ideogramas em pequenos blocos de argila úmida, desenhou na superfície de cada um deles um ideograma chinês e levou ao forno para endurecê-los. Dessa forma, pôde montar palavras, cobri-las com tinta fresca e, depois, forjá-las no papel. A invenção de Bi Sheng – base da prensa de tipos móveis – avançou no tempo. Viajou pelos caminhos do destino. Despedimo-nos, no melhor da criação. Eu jovem, com vinte e poucos anos, e Bi Sheng com 61 anos de idade. Reencontramo-nos 400 anos depois, em Mogúncia, na Alemanha, no ano de 1450. “Bi Sheng, é você?” Perguntei. “Chamo-me, agora, Johannes Gutenberg.”. “E o que você faz aqui?”. Quis saber. “Vim concluir a minha engenhoca e, de gosto, imprimir uma bíblia. E você?” Foi, então, a minha vez de rir, no melhor do destino. Uma coincidência, talvez. Ele riu. "Até breve", arrisquei. Foi mais ou menos assim que tudo aconteceu, no melhor das nossas impressões.

João Scortecci