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HOMENAGEM A DÉCIO DE ALMEIDA PRADO E A “BATALHA DA RUA MARIA ANTÔNIA”

No dia 20 de junho de 1995, entrei pela primeira vez no prédio do Centro Universitário Maria Antônia, na Rua Maria Antônia, 294, bairro da Consolação, na capital paulista, para participar da sessão de lançamento do livro “Homenagem a Décio de Almeida Prado” (Scortecci Editora), em comemoração ao aniversário de 78 anos desse professor, ensaísta e crítico de teatro. Até então, não conhecia pessoalmente o professor Décio de Almeida Prado (1917 – 2000). Foi educado, simpático e estava emocionado com a merecida homenagem, que contou com apoio da UBE – União Brasileira de Escritores. No livro, estão reunidos textos sobre a obra de Décio, escritos por Fábio Lucas (autor também da “Apresentação”), Antonio Candido, Sábato Magaldi, João Roberto Faria, Zécarlos de Andrade, Haydée Bittencourt, além do texto “Oração aos velhos”, de autoria do homenageado. Muita gente importante compareceu, como: Lygia Fagundes Telles, Anna Maria Martins, Edla van Steen, Antonio Candido, Cleyde Yáconis, Yara Stein, Lenilde Freitas, Caio Porfírio Carneiro, Henrique L. Alves e Sábato Magaldi. O evento foi realizado no saguão do prédio, que, nos anos 1960, abrigou a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL - USP). Foi lá que, no dia 2 de outubro de 1968, aconteceu a “Batalha da Maria Antônia”, como ficou conhecido o confronto entre estudantes daquela faculdade e os do Mackenzie. A Rua Maria Antônia era, na época, o principal palco de eventos como passeatas e manifestações, nos moldes do que é hoje a Avenida Paulista. O ano de 1968 foi marcado por forte resistência da classe estudantil, contrária à ditadura militar brasileira (1964 – 1985), como se viu nas grandes mobilizações de 1968, realizadas no Rio de Janeiro: a "Sexta-Feira Sangrenta" – como ficou conhecida a repressão policial ao protesto estudantil realizado no dia 21 de junho – e a “Passeata dos Cem Mil” – manifestação popular, auge da resistência contra a ditadura militar, realizada em 26 de junho e organizada pelo movimento estudantil com a participação de vários setores da sociedade civil. Na “Batalha da Maria Antônia”, iniciada em 2 de outubro daquele ano, estudantes de esquerda e de direita se enfrentaram com pedras, paus, rojões, foguetes e até bombas. Os estudantes de direita, predominantemente do Mackenzie e ligados ao CCC – Comando de Caça aos Comunistas, organização paramilitar anticomunista brasileira de extrema-direita, incendiaram o prédio da USP com coquetéis Molotov. A “batalha” durou dois dias, e a polícia assistiu a tudo, permanecendo inerte, estacionada no espaço central, conhecido pelos estudantes como “5 bocas”, encontro das ruas Maria Antônia, Itambé, Higienópolis, D. Veridiana e Major Sertório. Um tiro vindo do prédio do Mackenzie atingiu mortalmente o jovem secundarista José Carlos Guimarães, de 20 anos, aluno do Colégio Marina Cintra, na Rua da Consolação. Segundo o Grupo “Tortura Nunca Mais”, o estudante foi assassinado pelo policial Osni Ricardo, membro do CCC e informante da polícia. Com a camisa ensanguentada do jovem morto, os estudantes da USP tomaram as ruas da cidade de São Paulo e entraram em confronto ferozmente com a polícia. No final do segundo dia, policiais invadiram os prédios da USP e do Mackenzie, dando fim ao conflito. Os estudantes das duas instituições enfrentaram a polícia com barricadas, pregos e bolinhas de gude. O conflito começou por causa de um pedágio que os alunos da USP cobravam na Rua Maria Antônia, para custear o 30º. Congresso da UNE – União Nacional dos Estudantes. Irritado, Ricardo Osni Silva Pinto, estudante de Direito do Mackenzie, atirou um ovo podre contra os cobradores do pedágio, o que levou os estudantes da outra instituição a revidarem com pedras e tijolos. A “Batalha da Maria Antônia” influenciou a transferência dos cursos da USP para a Cidade Universitária “Armando de Salles Oliveira”, no bairro do Butantã. A mudança desagregou o núcleo do movimento estudantil e desestabilizou o local, que recebia, na época, quase todos os principais movimentos de protestos. O conflito foi determinante para que o governo ditatorial endurecesse o regime, promulgando o Ato Institucional número 5, em 13 de dezembro de 1968. Em 1993, o prédio que foi palco da “batalha” voltou a ser ocupado pela USP, abrigando o Centro Universitário Maria Antônia, onde passaram a se realizar atividades acadêmicas e culturais. Fui aluno do Colegial e da Universidade Mackenzie de 1972 até 1982. No ano de meu ingresso, a “Batalha da Maria Antônia”, ainda era uma ferida aberta e de conversa reservada, devido à presença, no campus e nas salas de aula, de informantes da polícia, os chamados “dedos-duros”. Lembro-me de ter participado, nos anos 1972 e 1973, com o meu irmão José Henrique, de duas ou três reuniões secretas, nos porões do prédio da FAU - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da USP, localizada na Rua Maranhão, 88, a poucos metros do portão da Rua Itambé, do Mackenzie. É dessa época a revista “Poetação”, editada pelo diretório acadêmico da FAU – USP. Em 1973, no número 3 da revista, fiz minha estreia literária onde publiquei o poema: “Mulher de rua”. 

João Scortecci