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AS ARMAS E OS BARÕES ASSINALADOS DA LUSITÂNIA

Meu pai, Luiz Gonzaga, menino de tudo, aluno do curso ginasial do Colégio Cearense, na Fortaleza dos anos 1930, recebeu o castigo – nunca nos contou o que havia aprontado – de decorar os 100 primeiros versos do poema épico Os Lusíadas, do poeta português Luís Vaz de Camões. “O caolho?” “Sim. Ele mesmo." "Bem que ele podia ter morrido – afogado – no naufrágio em Goa!”, brincava sempre. Camões salvou-se do naufrágio, a nado, carregando numa das mãos o manuscrito de Os Lusíadas. É o que dizem! Antes mesmo de conhecer a obra de Camões, já conhecia a história do poeta cego do olho direito, que meu pai contava, recontava, repetia sempre. “Pai, você decorou mesmo os 100 primeiros versos do caolho?” “Sim.” “Ainda lembra dos versos?” “Só dos três primeiros: 'As armas e os barões assinalados/Que, da ocidental praia lusitana,/Por mares nunca de antes navegados...' ”. Papai gostava de contar a história e de declamar – em seguida – os três primeiros versos da epopeia. Contava, também, que um dia “recitou” versos do poeta maranhense Gonçalves Dias (1823 – 864), para o Presidente da República Getúlio Vargas. Provavelmente uma brincadeira mentirosa. As datas não batem. O lisboeta Luís Vaz de Camões (1524 – 1580) é considerado uma das maiores figuras da literatura lusófona e um dos grandes poetas da tradição ocidental. Pouco se sabe com certeza sobre a sua vida. Frequentou a corte de D. João III, iniciou sua carreira literária como poeta lírico e se envolveu, como narra a tradição, em amores com damas da nobreza e possivelmente plebeias, além de levar a vida na boemia. Por causa de um amor frustrado, autoexilou-se na África, alistou-se como militar e lá perdeu um olho em batalha naval no Estreito de Gibraltar. Voltou para Portugal, feriu um servo do Paço, foi preso, depois perdoado. Partiu para o Oriente, foi preso várias vezes e lá escreveu Os Lusíadas, publicado, em 1572, quando o poeta retornou a Portugal. Esse poema épico é composto por dez cantos, 1.102 estrofes e 8.816 versos. A ação central é a descoberta do caminho marítimo para as Índias, pelo navegador e explorador português Vasco da Gama (1469 – 1524), em torno da qual se vão evocando outros episódios da história de Portugal, glorificando o povo lusitano. Camões viveu seus anos finais num quarto de uma casa próxima da Igreja de Sant’Anna, em Lisboa, "sem um trapo para se cobrir", segundo a tradição. Morreu no dia 10 de junho de 1580, aos 56 anos de idade, e foi enterrado numa campa rasa naquela igreja. Depois do grande terremoto de 1755, que destruiu a maior parte de Lisboa, foram feitas tentativas – todas frustradas – de se reencontrarem os despojos de Camões. O sumiço de sua ossada até hoje é um mistério. A ossada que foi depositada em 1880, numa tumba no Mosteiro dos Jerônimos, segundo historiadores, não pertence a Camões. Visitei o túmulo, no Mosteiro dos Jerônimo, Lisboa, no ano de 2010. Olhamo-nos com versos e respeito. Sua obra continua sendo lida, estudada e celebrada, como um marco fundador da língua portuguesa e como patrimônio do povo português e da literatura ocidental.

João Scortecci