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QUEM QUER FALAR COM LYGIA FAGUNDES TELLES?

Tudo – ou quase tudo – já foi dito sobre a incrível e maravilhosa escritora, Dama da Literatura Brasileira, Lygia Fagundes Telles. Lygia nasceu no dia 19 de abril de 1923. Foi o que ela me disse, pessoalmente, uma única vez. Recentemente, quando da sua morte, no dia 3 de abril de 2022, encontraram documentos – registro de nascimento, de batismo e certidão de casamento –, atestando que ela nasceu em 1918. Vale o escrito! Conheci Lygia com seus 60 anos de idade, no ano de 1978, na sede da UBE - União Brasileira de Escritores, na capital paulista. Uma mulher belíssima, elegante e gentil. Sou testemunha de que nunca recuou frente a um desafio em favor dos escritores e da liberdade plena, em todos os sentidos. Nos aproximamos no ano de 1982, quando me tornei editor de livros e diretor da UBE. Lygia foi quem levou Menotti Del Picchia à Scortecci Editora, em 1982, compareceu a dois lançamentos de livros de minha autoria (“A Morte e o Corpo” e “Água e Sal - Fragmentos de Tempo Algum”), foi presença constante nas reuniões, aos sábados, na casa do escritor e crítico literário Fábio Lucas e foi à minha casa – quando eu morava na Rua Cândido Espinheira, no bairro Santa Cecília, na festa de meu aniversário de 28 anos. Vez por outra, falávamos ao telefone. Não existiam celular, e-mail, WhatsApp, e a internet era ainda uma precária novidade. Quando me passou o número do seu telefone, disse: “Guarde-o a sete chaves.” Lembro que, ao ligar pela primeira vez, senti um frio na barriga e uma tremedeira nas pernas. “Quem quer falar com ela?” “João Scortecci”, respondi. Minutos depois, Lygia atendeu a ligação, com sua voz inconfundível. A mesma cena se repetiu duas ou três vezes. “Quem quer falar com ela?” Desde a primeira ligação achei a voz da atendente estranha e seca, mas muito parecida com a de Lygia. Com o tempo – e mais liberdade, claro – descobri que se tratava de Lygia, num disfarce, um filtro, uma salvaguarda de privacidade. Na primeira oportunidade que tive, quebrei o protocolo: “Lygia, sou eu, o Scortecci.” Ela gargalhou. Momento raro. Um dia, na sede UBE, justificou-se, educadamente. “Faço isso para afastar os chatos!” Em mais de 40 anos de vida literária, nunca vi Lygia sair do sério ou perder a calma, mesmo nos momentos tensos dos “anos de chumbo”. Guardo lembranças maravilhosas do privilégio que tive com sua amizade literária. De todas as lembranças – foram muitas – a melhor de todas foi vê-la entrar na Galeria Pinheiros, na Rua Teodoro Sampaio, 1704 – onde, durante 10 anos, funcionou a Scortecci –, de braço dado com o Príncipe dos Poetas, Menotti Del Picchia. Inesquecível. Lygia eterna. Até quando? Sempre. Parabéns pelo seu aniversário de 104 anos!

João Scortecci