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PASTEL DE FEIRA FALA POR SI

Hoje madruguei e fui pedalar cedo. Depois das 9 da manhã, o calor derruba a infantaria. Não só o calor: o frio também. Depois de 10 km, parei numa barraca de pastel e pedi o de sempre: pastel de queijo. Na verdade, pedi a opção dois, porque, quando encontro, a primeira opção é pastel de alho-poró. Não é em todo lugar que tem. Faz parte! O assunto na barraca – movimentadíssima – era sobre a guerra e a invasão da Ucrânia pela Rússia. Na conversa: Eu, o pasteleiro Vladimir – que não é o Putin – o ciclista Emmanuel, do pedal da zona norte – que não é o Macron –, um pedinte de feira, de nome Boris – que bicava um pastel – e uma senhora, gordinha e simpática, de nome Ludmila, professora aposentada. No papo, saiu de tudo: que a ONU é uma piada e a OTAN, um pacto de covardes, que a Europa está de calças sujas, que o Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, é um banana, que o Bolsonaro foi o mensageiro da morte, que o Putin “azarou” a mulher dele, que a Alemanha está “sem gás” e que o Putin é um puto, doido de pedra. “Viu a cara dele revirando os olhos?” “Eu vi”, confirmei. Tudo conversa atrapalhada, sem fio e nem pavio, em que todo mundo falava junto e ao mesmo tempo. “Papo de guerra” é o mesmo que discutir religião, política e futebol. Muita merda e pouca razão. Vladimir, o pasteleiro, declarou estar preocupado com os jogadores de futebol que jogam em times da Ucrânia, em especial com o corintiano Pedrinho, hoje jogador do Shakhtar Donetsk. Emmanuel – o ciclista – contava a história de um tanque russo que havia atropelado e passado por cima de um carro. “É assim que fazem conosco, ciclistas”, declarou. Ludmila, a professora aposentada – que não é a mulher do Putin – comentava sobre um casal de matemáticos da USP, de origem ucraniana, que estavam em Kiev – capital da Ucrânia – abrigados no subsolo de um prédio para se proteger do bombardeio. “Tragédia!” Eu, atento, anotando os aloegos. Por fim, depois de comer dois pastéis por minha conta, um de queijo e outro de carne, foi a vez do Boris, o pedinte - que não é o primeiro-ministro inglês - palpitar no parlatório da pastelaria: “Acho que tudo isso é efeito da covid, que amoleceu os miolos do russo”. Silêncio. Foi nessa hora que a vida olhou as horas e o sol e resolveu seguir caminho. Boris ficou por lá. Festeiro que só ele. Alegre. Provavelmente já caçando outro cliente e pensando, talvez, quem sabe, num pastel de palmito. Repetir nem sempre é uma boa pedida. Pedalei mais 5 km e encerrei o pedal. Confesso: o Boris "imunizou-me" a razão. Amanhã tem mais pedal e juro: nada de guerra, covid e pastel. Talvez um quibe, uma isca de peixe ou um churrasquinho de feira, com farofa.

26.02.2022