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TESAUROS E MUITO CUSPE NA CARA

“João, você é um tesauro!” Antes de sorrir e de aceitar com desconfiança o elogio do poeta, filho da cidade de Varginha, Minas Gerais, ou, então, fazer cara feia e partir para o “pau”, decidi consultar o dicionário, na época, peça obrigatória na mesa de trabalho. "Você é um tesauro do mundo dos livros”, insistiu. A palavra “tesauro” é derivada do latim “thesaurus”, que é a latinização do grego “tesouro”, “tesouraria”, “armazém,” também conhecido como “dicionário de ideias afins”. Feito isso, deixei-me levar pelos elogios do vate, quando, então, abri um tímido e leve sorriso de felicidade. Ninguém é de ferro – sempre! Até os poetas sangram. Presenciei uma cena – isso nos anos 1990 – de um vereador, metido a intelectual, que cuspia ao falar – daqueles que adoram fazer citações e pronunciar palavras difíceis – num fervoroso discurso de lançamento de um livro de crônicas de um advogado, na cidade de Guarulhos, São Paulo. O vereador – aplaudidíssimo – chamou o nobre-advogado-poeta de inteligente, imortal e um verdadeiro “biblioclasta”. Na hora, dois ou três ouvintes – minoria absoluta – balançaram a cabeça, negativamente. A maioria o aplaudiu, fervorosamente. “Biblioclasta” significa aquele que destrói ou não respeita os livros. Depois do nobre discurso – e duas ou três cusparadas na cara do vate –, Sua Excelência me perguntou: “E aí, polímata editor, gostou da justa homenagem ao nobre vate, filho ilustre desta amada terra?” “Sim, muito. Acho que você foi até simplório demais, nos seus eloquentes elogios ao vate!” “Fui?” “Faltou – também – chamá-lo de um verdadeiro ‘bibliocleptomaníaco' ". “Posso anotar a referência?” Foi o que ele me pediu, tirando do bolso um bloquinho de papel e caneta. “Pode, claro”, respondi. “O que significa mesmo 'bibliocleptomaníaco'?” Quis saber. Tive que improvisar: “Um maníaco por livros”. O vereador anotou e, em seguida, abraçou-me, politicamente. Entregou-me, antes de se despedir, o seu cartão de visitas. Aqui com os meus ossos, pensei: “um maníaco por livros”, o que não deixa de ser uma “clasta” verdade. Ser um “tesauro” do mundo dos livros não é nada fácil. Até os poetas insensíveis, vez por outra, sangram.

João Scortecci