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ZIGOTO E GAMETA, OS IRMÃOS FODINHA

Zigoto e Gameta eram irmãos gêmeos, filhos de um professor de Ciências, nascido no Crato, interior do Ceará, e uma bióloga peluda, que criava ratazanas. Moravam na rua de baixo e – vez por outra – brincavam com a turma da rua. Isso na cidade de Fortaleza dos anos 1960. Seus pais tinham um sítio em Maracanaú, na grande Fortaleza, e lá criavam de tudo: galinhas, coelhos, porcos e ratazanas. Tinham um apelido único: Irmãos Fodinha! “Zigoto, você deixa espiar a ratazana da sua mãe?” “Não!”, respondia, sempre. Gameta – lento de tudo – arregalava os olhos e fugia da conversa. “Gameta, hoje é o seu dia de sorte!" “O meu?” “Sim. Faça, então, um pedido!” “Posso?” “Claro.” Gameta, pensativo e surpreso, abduzido pela proposta tentadora, acabou, finalmente, cedendo. “Quero descer a ladeira da praia pilotando o seu carrinho de rolimã!” “Feito – respondi –, mas com uma condição: quero espiar a ratazana da sua mãe!” Zigoto – que nos vigiava – protestou. “Nada feito. Isso não!” “Não vou tirar pedaço. Eu juro. Quero só olhar o bicho peludo.” Zigoto – desconfiado e a contragosto – acabou concordando. “Cospe aqui!” E assim o trato foi selado. “João, você vai sair de casa?” “Vou, mamãe. Vou brincar de carrinho de rolimã na ladeira da praia com os Irmãos Fodinha.” “Olha a boca suja! Vê se não demora e cuidado para não quebrar a cabeça!” “Prometo. Mãe, eu posso lhe contar um segredo?” “Pode. Fala logo: o que você aprontou, desta vez?” “Nada. Juro. Hoje vou ‘espiar’ a ratazana peluda da mãe dos gêmeos.” “O que você disse, menino safado. Vá lavar a boca, com sabão. Pervertido! Deus do céu: o que eu fiz para merecer isso! Olha o capeta!” “Mãe, eu não fiz nada! Juro. Mãe, o Gameta autorizou. Fizemos um trato. Eu dou uma espiada, de longe, na peluda, e ele pilota o meu carrinho de rolimã. Só isso.” “Safado! Vai de castigo e boca calada, até o teu pai chegar.” O castigo veio. Três dias e a mesada da semana cortada. Gameta veio e levou o meu carrinho de rolimã. Desceu a ladeira da praia e abriu a cabeça no poste. Depois do acidente, Zigoto e Gameta sumiram da rua. Mudaram, de vez, para Maracanaú. Nunca mais soube deles. Isso, até hoje, explica o medo que tenho de ratazanas peludas. E mais: quando alguém me pede “cospe aqui”, eu desconfio do negócio.

João Scortecci