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BATISTA DA LIGHT E O ABRIGO CENTRAL

Meu avô paterno, o Batista da Light (João Batista de Paula, 1895 - 1968), morreu quando eu tinha 12 anos de idade, incompletos. Era seu neto preferido, segundo minha mãe Nilce. Até hoje estamos ligados espiritualmente. A nossa história juntos começou no ano de 1962, quando levou-me para conhecer o Abrigo Central, Centro de convivência, na Praça do Ferreira, no centro da capital cearense. O Abrigo Central (1949 - 1967), foi demolido em 1967, com a alegação de que estava ruindo e representava um perigo. Fomos a pé, da Av. D. Manoel 1086, onde morávamos, até o Abrigo Central, na Praça do Ferreira. Uma boa caminhada. Eu tinha 6 anos de idade, ainda usava bermudas e dava os meus primeiros passos de independência. Meu avô, já aposentado, ex-superintendente da Light, vestia-se com elegância e seus ternos de linho branco, eram marca registrada. Brincavam, na época, que tinha apenas um único terno. Batista qual o segredo: como você faz para ficar sempre alinhado e elegante? Emputecido, respondia: Fico pelado enquanto tua mãe lava, seca e passa! Risos. Carregava pendurado no braço esquerdo - mesmo nos dias de sol - o seu inseparável guarda-chuvas. Batista - era assim que gostava de ser chamado - era um contador de "causos". Suas histórias eram engraçadas e divertidas. Naquele dia inesquecível, da minha primeira visita ao Abrigo Central, o lugar estava lotado de gente. O calor era sufocante e um cafezinho, propunha, refrescar o corpo. Foi o que ele me disse. Meu avô pediu dois cafés pretos, sem açúcar. Eu, que até então, só tomava leite morno, me vi encrencado. Ele bebeu o café quente, de um só gole. Eu esfriei o meu, assoprando, para não queimar a língua. Naquele dia meu avô encontrou amigos, contou piadas e "mexeu" com as moças que passavam pela praça. Cumprimentava todas, sem exceção, com tapinhas no bumbum. "Minha sobrinha", dizia. Elas sorriam. Hoje, se fizesse isso, seria linchado em praça pública e processado por assédio sexual. Meu avô era um "safado", segundo minha mãe. Seu avô adora um "rabo" de saia, justificava, sempre. No caminho de volta para casa - perto do meio dia - paramos numa das esquinas da praça, para comprar queijo. "Quero um quilo de queijo, sem buracos!" Pediu, em voz alta e  piscou o olho para mim. Justo, pensei. "Pode deixar seu Batista: um quilo de queijo, sem buraco e bem pesado!" E assim foi. A minha inocência durou alguns anos, até entender, um dia, que a história de "queijo sem buracos" era uma brincadeira. Voltamos ao Abrigo Central mais cinco ou seis vezes, no máximo, tomar café, sem açúcar e comprar queijo, sem furos. Logo depois meu avô adoeceu. "O que o vovô tem?" Perguntei. Arteriosclerose! "Tem cura?" Não. Alguém me disse: deve ter sido muito feijão, farinha e toucinho! Seu prato preferido. E eu acreditei. No final da vida - já recluso e impedido de sair de casa - sentado numa cadeira de vime no terraço, tomava-lhe a tabuada, jogávamos gamão e contávamos dinheiro de papel jornal. Meu avô Batista era um “apaixonado” por bundas. Quando uma mulher de bunda grande passava na sua frente ele sorria e dizia: "Olha lá a Raimunda: feia de cara e boa de bunda!" Risos. Vovô Batista, o Batista da Light, morreu em fevereiro de 1968 - véspera de carnaval - um ano depois da demolição do Abrigo Central.

João Scortecci