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ZÉ DO ISQUEIRO, O PIROBOLOGISTA

Conheci, no final dos anos 1960, um pirobologista. Magro e alto. Piscava muito e carregava no bolso um isqueiro de prata. “Filho, isso não é profissão. É suicídio!” Desisti, então, depois que o “Zé do Isqueiro”, profissional de artefatos explosivos, “detonou-se” deste mundo, num piscar de olhos. Uma tragédia! Zé do Isqueiro morreu chamuscado, e seu corpo virou uma tocha de luzes, gases, fumaça e calor. Fui, então, ser goleiro – um “Castilho Voador” – ou, talvez, um Manga ou ainda, um incrível Valdir de Morais. Tive o prazer de conhecer os três! Até passei numa “peneira” para goleiro no time juvenil do Ceará Sporting Club, mesmo sendo torcedor do Fortaleza. Desisti do jogo depois que descobriram que eu só “voava” para o lado esquerdo do gol. A pirotecnia de criança, então, limitou-se a soltar balões com buchas de parafina, bombas rasga-lata, morteiros e rojões de três tiros. Em 1969 – num sábado de julho – foi a minha vez de “explodir”, tocar fogo no quarto e abrir uma cratera na barriga. “O que aconteceu?” “Dei azar!”, respondi. Lendo sobre a coroação de Dom Pedro II, em 18 de julho de 1841, lembrei da história da alma penada do Zé do Isqueiro. Os festejos da coroação do Imperador do Brasil duraram nove dias. É o que dizem. Uma tremenda farra imperial! O fogaréu da noite ficou aos cuidados do pirobologista Francisco de Assis Peregrino. Um mestre estudado na Europa! O palacete imperial – erguido para a coroação de Dom João VI, em 1818 – explodiu e pegou fogo. Os edifícios que estavam ao redor tiveram as suas vidraças estilhaçadas. Quatro pessoas morreram na tragédia. Entre os mortos, o próprio Peregrino. Na hora do fogaréu, o representante do Império Austríaco – O Barão Daiser – teria dito: “O golpe de vista, no momento em que o imperador se apresentou ao povo da balaustrada da varanda, era magnífico e, possivelmente, incomparável.” Até, então, o Barão Daiser não sabia que o palacete de Dom João VI havia cometido suicídio, num piscar de olhos. Vez por outra ainda acordo pensando no Zé do Isqueiro, mesmo tendo desistido da profissão de pirobologista. A cicatriz na barriga – que lembra o mapa do Brasil – não me deixa esquecer do fogaréu que foi a minha infância.

João Scortecci