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ALENCAR E A VIRGEM DOS LÁBIOS DE MEL

A biografia do padre, jornalista e político cearense José Martiniano Pereira de Alencar (1794 - 1860) é de tirar o fôlego. Tomou parte na Revolução Pernambucana, que levou a Capitania de Pernambuco a declarar sua separação da Colônia e a proclamar uma República, em março de 1817, e na Confederação do Equador, movimento revolucionário de caráter republicano e separatista, que eclodiu em julho de 1824. Martiniano foi senador pela província do Ceará, de 1832 até sua morte, e, durante o mandato, foi também presidente da província do Ceará por duas vezes: de 1834 a 1837 e de 1840 a 1841. Em 1834, fundou, na cidade de Fortaleza, a loja maçônica "União e Beneficência". Mesmo sendo padre, teve, com sua prima Ana Josefina de Alencar, 13 filhos, dentre eles, o escritor José de Alencar (José Martiniano de Alencar) e o diplomata Leonel Martiniano de Alencar. O escritor José de Alencar (1829 - 1877) foi o primogênito do casal. Teve sua paternidade reconhecida somente no ano de 1859, por meio de uma "Escritura de Reconhecimento e Perfilhação de Filhos Espúrios”. Em 1840, com 11 anos de idade, José de Alencar, transferiu-se para a cidade do Rio de Janeiro, na época capital do Império do Brasil. Em 1844, matriculou-se nos cursos preparatórios à Faculdade de Direito de São Paulo, iniciando o curso em 1846. Fundou, na época, a revista “Ensaios Literários”, onde publicou o artigo “Questões de estilo”. Em 1850, formou-se em Direito, e, em 1854, estreou como folhetinista no jornal “Correio Mercantil”. Alencar é considerado o fundador do romance de temática nacional. Foi notória a sua tenaz defesa da escravidão no Brasil, quando era ministro da Justiça do “Gabinete Itaboraí”, no reinado de Pedro II, ministério formado pelo Partido Conservador em 16 de julho de 1868 e dissolvido em 29 de setembro de 1870. A obra literária de José de Alencar é grandiosa. Destacam-se os romances: “O Guarani”, “Cinco Minutos”, “A viuvinha”, “Iracema”, “A pata da gazela” e “Senhora”. Quando criança, vez por outra, visitava a Granja Castelo, da tia Lucinha (Maria Lúcia Rocha Dummar, 1917 - 2013), filha de Demócrito Rocha, fundador do jornal "O Povo", localizada na Lagoa de Messejana, região metropolitana de Fortaleza, distante pouco mais de 5 km da casa do escritor José de Alencar, onde morou na infância. Quando entrei na pequena casa de três cômodos, do século XVIII, construída em pedra e cal, com madeiramento primitivo de carnaúba, telhado simples, procurei com os olhos e o coração pelo escritor. Ele não estava. Era, apenas, um retrato antigo na parede sob uma pequena estante de livros. Na época estava lendo “A pata da gazela”. O livro estava lá, era o primeiro. Ordem alfabética, provavelmente. Procurei, então, por “Iracema” e a encontrei, também. Foi quando - do nada - surgiu na luz entreaberta da janela, Iracema “A virgem dos lábios de mel” adentrando na sala. Era uma atuação. A moça, seminua, tinha os "cabelos tão escuros como a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira.” Eu, então, me vi Martim, depois Coatiabo e, por fim: o próprio guerreiro branco potiguara. Olhou-me e sorriu. Jogou-se, interpretou arco e flecha e floriu no tempo: igual "Rainha do Sertão", Orquídea selvagem, símbolo do Ceará. Orquídea com cinco merlões: o sol e o farol do Mucuripe; a serra e o pássaro; o mar e a jangada e o sertão e a carnaúba. E Iracema, talvez. 

João Scortecci