A vida anda mesmo imaterial! Sinto-me enganado. Explico: quando criança, isso nos anos 1960, me convenceram: no futuro o mundo vai viver em paz, sem guerras, doenças, poluição, fome, e as pessoas do bem vão trabalhar no máximo 4 horas por dia! Os carros serão voadores, não existirão mais assaltos, roubos, nem políticos bandidos. Tudo automático! Algo assim. Juro: eu acreditei! Era a época do “Os Jetsons”, na TV, desenho animado com as aventuras de uma família que vivia no futuro. Não perdia um episódio! Hoje trabalho 12 horas por dia, acordo às 5 da manhã, não tenho carro voador, ando fugindo de bandidos, ladrões e safados. Até aí nenhuma novidade. Deixa pra lá! Deixei. Mas a pergunta veio de surpresa e me pegou pelo fígado: “E a herança digital da Scortecci?”. Gelei. Listei, de cabeça, em segundos, tudo: livros raros, milhares de fotos, originais, desenhos, gravuras, quadros, cartas, textos, autógrafos, biblioteca, selos, contas de e-mails, sites, blogs, domínios, revistas, vídeos, documentos... “Não sei”, respondi. Herança digital é o conjunto de bens e conteúdos digitais de uma pessoa, de uma empresa, como contas em redes sociais, arquivos, senhas, que são transferidos aos herdeiros após o seu falecimento. Este “patrimônio digital”, que pode ter valor econômico ou afetivo, ainda não tem legislação específica no Brasil, e a sua transmissão é regida por entendimento jurisprudencial e por disposições deixadas em testamentos. Algo assim. A maioria desses bens são incorpóreos – não têm existência física – e outros, como o acesso a informações pessoais, são considerados direitos personalíssimos, o que pode gerar conflitos. A vida anda mesmo imaterial. Tudo culpa dos Jetsons. Confesso: deveria ter ficado – apenas – nos episódios dos Flintstones, família da idade da pedra, seriado da TV da mesma época. Vou-me embora pra Bedrock: andarei de bicicleta, montarei em burro brabo, subirei no pau-de-sebo, tomarei banhos de mar! E, na hora do grito poético, do poema sem-fim: Yabba dabba doo!
João Scortecci