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BONDE CAMARÃO E A CORRIDA DE SÃO SILVESTRE / JOÃO SCORTECCI

Cheguei a São Paulo, vindo do Ceará, no ano 1972. Tinha 16 anos de idade. Nunca havia andado de ônibus urbano e na cabeça planos inadiáveis de conhecer o Shopping Iguatemi, o Museu do Ipiranga, o Instituto Butantã, a Avenida Paulista, o Mappin, a Praça da República e o Aeroporto de Congonhas. Tudo anotado no meu diário. Fiz todos os percursos, ida e volta, saindo do bairro de Santa Cecília, onde, na época, residia, a pé. Eu e um novíssimo Guia Quatro Rodas, comprado no Largo do Arouche, na livraria Brasiliense. Confesso: tempos inesquecíveis! Na lista de desejos, ainda, mais dois sonhos: andar de bonde “Camarão" e participar de uma prova da corrida Internacional de São Silvestre, na virada do ano. Os bondes “camarão” foram extintos em 1968, quatro anos antes. Eu os perdi, infelizmente. Lembro-me que na época, andando pela cidade, era comum encontrar, ainda, trilhos nas ruas, principalmente no centro da cidade. Os bondes chegaram na cidade no ano de 1927 e logo foram carinhosamente apelidados pela população de "Bonde Camarão", por serem todos vermelhos. Pesavam 18 toneladas, tinha 12,49 metros de comprimento, 2,5 metros de largura e capacidade para 51 passageiros sentados. Desejo de poeta: descer de um deles em movimento, igual se vê nos filmes de época. Isso e nada mais. Tenho verdadeiro fascínio por trens, vagões, estações e trilhos. Talvez influência do meu Pai Luiz que adorava locomotivas. Quanto a São Silvestre realizei - felizmente - o sonho no ano de 2014, participando da 90ª edição. Felicidade! Chorei de alegria. Em 1972, quando cheguei, o Metrô de São Paulo ainda estava em construção e a cidade era um grande canteiro de obras. O metrô começou a funcionar somente em 1974 e sua inauguração, juntamente com a construção do Elevado Costa e Silva, o Minhocão (1971), hoje Elevado Presidente João Goulart, mudaram radicalmente, a rotina da cidade grande. Vez por outra - desavisado de tudo - sonho andando de bonde camarão, de terno e gravata, sentado no último banco, apinhado de gente. Sonho estranho. Muito estranho, para alguém que nunca andou de bonde. No coração as palavras do jornalista Cásper Líbero, idealizador da prova de São Silvestre: “Felizes são os homens que conseguem ver o mundo de uma forma diferente”. Tudo anotado no meu diário. Façamos assim!

João Scortecci