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SÃO PAULO: DESVAIRADA, EXOTÉRMICA E DISTANTE

Todo mundo quer ir para o céu, mas ninguém quer morrer! Diz o ditado. Desejamos queimar até o derradeiro pavio, se possível. Descobri - outro dia - que pavio de vela "abduzido" queima até melhor - ou mais - que a própria cera. Relações exotérmicas, algo assim. Estudei “combustão” numa aula de física, isso no final dos anos 1970. Daquela época ficou - apenas – uma poesia chamada “Química oximel”, depois, até virou mote de livro premiado, de nome O Eu de Mim. Tenho guardado duas caixas iguais com velas: uma com velas de reza e orações e outra, com peças de um provável kit de sobrevivência que, prometo montá-lo o mais breve possível. A ideia de montar um kit de sobrevivência é antiga, desde a entrada do milênio. Dentro do kit vai ter de tudo: anzol, isqueiro, corda, canivete, faca, apito, lápis, caderno, veles, capa de chuva, caixa de costura, estojo de primeiros socorros, copo, marmita, talheres, lanterna, cobertor e bússola. Já tenho a mochila. Na época, quando comprei pela Internet - julguei-me, então, um babaca. Mas, depois do apagão de outro dia, das histórias sobre aquecimento global e guerras, o pavio exotérmico da vida, reacendeu, de vez. Estava lendo sobre a falência visual, emocional e moral do centro da cidade de São Paulo. Que tristeza! O texto relembrava - nostalgicamente - o passado. Da beleza e da grandiosidade das lojas do centro, dos parques, das vitrinas de luz, do comércio vigoroso, das bancas de revistas e jornais, das livrarias abarrotadas de gente, dos cafés, das praças, dos cinemas de rua e das pessoas apressadas: velozes e elegantes! Depois de ler e reler a matéria, de sofrer junto, lembrei-me, não por acaso, dos escritores paulistas Mário de Andrade e Marcos Rey. Dois apaixonados e filhos da pauliceia desvairada. O que diriam - hoje - diante do caos? Morreriam. Não menos importante, penso, ainda, incluir na mochila: três livros imortais, um pacote com fotos de uma vida inteira, um pequeno dicionário, uma bota de borracha, um cortador de unhas, um saquinho com sementes exotérmicas. Junto, um saquinho de areia do mar do Ceará, um  vidrinho com água do Rio Pajeu, aquele que - no céu distante - banhou-me menino e - com amor, abduziu-me a alma. Depois, então, partirei na direção da lua, do tempo qualquer, sem volta.

João Scortecci