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NUM DIA QUALQUER DE ERRANTE

Almoço às 11h45. Pontualmente. Depois disso fico impaciente e agressivo. Gosto de avisar, sempre: Não me provoquem, sou capaz de matar!  Aviso aos desavisados: Não me liguem na hora do almoço. Eu piro! Num dia qualquer dos anos 1970, já morando em São Paulo desde 1972, cheguei cedo ao Giovanni, restaurante de balcão da Rua dos Timbiras, próximo a Praça da República. Era lá que almoçava uma ou duas vezes por semana. Comia: talharim na manteiga com dois ovos a La Camões ou ossobuco. Eram 11 horas. Muito cedo. Esperar não é o meu forte. Fui, então, até a Livraria Brasiliense, na Rua Barão de Itapetininga. Lotada! O vendedor me viu de longe. Sabia o meu nome e tinha na cabeça o histórico do que gostava de ler. Disse-me: “João, temos novidade, chegou o livro O Errante, do Gibran!” Havia lido “O Profeta” e ficado encantado com o autor e sua obra. Comprei. Não precisa embrulhar! Insisti. Sentei-me, então, num banco sujo e molhado da Praça da República, próximo ao coreto. E lá fiquei, errante, meditando e amando Gibran. Havia gasto o dinheiro do almoço do dia com o livro. A fome veio e depois, passou. Gibran chegou depois, no final do livro, quando lia as suas últimas páginas. Existe leveza do espírito? Risos. Passei pelo Largo do Arouche e voltei para o Largo Santa Cecília, onde, na época, morava. Abri a geladeira e comi um pedaço de pizza, do domingo. O último livro que li do poeta foi “O Louco – Parábolas e Poemas”. Antes de nos despedir, disse-me: “Encontrei tanto liberdade quanto segurança em minha loucura: a liberdade da solidão e a segurança de não ser compreendido, pois quem nos compreende escraviza algo em nós.” Gibran (Gibran Khalil Gibran, 1883 – 1931) morreu jovem, no dia 10 de abril de 1931, aos 48 anos de idade, de cirrose hepática e tuberculose.

João Scortecci