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OS GATOS SEM RABO E OS PRIMÓRDIOS DA GRÁFICA SCORTECCI

Abri a Scortecci Editora em 1982. Imprimia livros desde 1978, quase todos para o Grupo Poeco (1978 – 1982), na De Sá Copiadora, pequena gráfica localizada no centro da cidade de São Paulo, na Rua Francisca Miquelina. Foi indicação do italiano Tommaso Franzese, amigo e padrinho da editora. Em 1984, a De Sá Copiadora selou um contrato com a GM – General Motors, para imprimir sua lista de preços, e eu, por tabela, dancei e perdi o fornecedor. Na época, foi um susto! De 1984 até 1986, trabalhei com uma gráfica da Avenida do Estado (que não deu certo). Depois – por indicação da De Sá Copiadora –, trabalhei com um impressor de nome Lamartine, aposentado, que tinha na sala da sua casa, na zona leste da cidade, uma impressora offset Rotaprint. Foi a minha salvação! Entregava e retirava o serviço, semanalmente, num Fiat Uno 147. Levava: 10 caixas de papel A4, uma lata de tinta da marca Cromos, chapas de papel (já gravadas) e um galão de 5 litros de solução de fonte, da Duplicopy. As capas eram impressas em offset Abdick 375, numa gráfica que ficava numa das travessas da Av. Braz Leme, no bairro de Santana. Era uma máquina comprada em sociedade: eu tinha 50% do negócio. O acabamento dos livros era feito numa loja alugada, na Rua Teodoro Sampaio, esquina com a Rua Henrique Schaumann, no bairro de Pinheiros. No espaço, operávamos: uma picotadeira de pedal, uma guilhotina manual de 50 de boca, uma vincadeira e uma copiadora UBIQUE, em que gravávamos as chapas de papel. O negócio funcionou – satisfatoriamente – durante dois anos. Certa vez, Lamartine, o impressor aposentado, pessoa que guardo até hoje no coração, pediu-me para aumentar a cota de solução de fonte, de 5 para 10 litros. Estranhei. O que estaria acontecendo? Antes de reclamar, fui até a Duplicopy, que ficava na Rua Clélia, na Lapa, e me informei sobre consumo e uso do produto. O que escutei, na lata: “O cara está te roubando!”. Procurei, então, o Lamartine e abri a conversa. Ele, timidamente, confessou: “Sr. Scortecci, eu e minha mulher criamos gatos. Os gatos estão viciados em solução de fonte. Bebem direto da bandeja da máquina.” Foi só ele falar que eu vi, com os meus próprios olhos, uma cena de bebedeira coletiva. Aqui cabe uma explicação: solução de fonte é um produto baseado em água e álcool isopropílico, que contém pH específico e é responsável por separar o grafismo e o contragrafismo da chapa. “E eles não morrem envenenados?”, perguntei. “Acho que não. A bebedeira já tem mais de mês e de lá pra cá estão espertos e até mais alegres!”, justificou. Algum tempo depois, uma das gatas pariu uma ninhada de cinco gatinhos. Três machos e duas fêmeas. Surpresa foi notar que nenhum dos gatinhos tinha rabo e todos andavam de forma estranha: pirados e desequilibrados. Passei, então, a fornecer, semanalmente, 10 litros de solução de fonte, da Duplicopy, até o ano de 1986, quando, finalmente, abri a Gráfica Scortecci, hoje uma gráfica inteira digital, funcionando desde 2023, na Av. Pedroso de Morais, no bairro de Pinheiros.

João Scortecci