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BERNARDO E A CAPA DO CAPITÃO AMÉRICA / JOÃO SCORTECCI

Meu neto Bernardo - na época 1 ano e 4 meses - cortando cabelo com a capa do Capitão América. Que inveja! Na infância dos anos 1960, no Ceará, o barbeiro era um carrasco. Chegava – pontualmente – uma vez por mês, numa tarde qualquer de sábado. Eu e meus irmãos, mais alguns primos e vizinhos, éramos amarrados - literalmente - numa cadeira alta – com aparador e tudo. O corte era “zero” nas laterais, preservando apenas o topete. O corte, na época, tinha nome: Galo campina, algo assim. O carrasco usava uma máquina de cortar manual, tipo alicate, velha, que fazia um barulho dos demônios. Sua crueldade era algo de dar inveja! Eu era - sempre - o último da fila. Gritava, chutava canelas, mordia e cuspia longe, com pontaria no alvo. Um capeta! Uma vez, talvez a última, levei uma faca de ponta escondida debaixo da camisa. Esperei o carrasco me amarrar e começar o serviço de tortura. Até facilitei, estrategicamente. Lembro-me dos seus olhos de pavor e medo, quando encostei a ponta da faca na sua braguilha. Ele pulou. “Deus do céu!” Cortei a corda - lençol amarrado - e fugi, pulando o muro. Subi no pé da goiabeira e lá fiquei. “Não corto mais o cabelo desse pirralho!” Protestava. Mamãe Nilce - desta vez - nada disse. Pegou o dinheiro - que ficava guardado na gavetinha da máquina de costura - e pagou o serviço. O monstro escafedeu-se. Nunca mais voltou. Fiquei um tempão cabeludo, até ganhar cachos e piolhos. “Vai ter que cortar careca!”. E assim foi. Eu e meus irmãos passamos, então, a cortar o cabelo numa barbearia da Praça do Ferreira, no centro. Tinha ventilador de teto, máquina elétrica, avental branco, talco no pescoço e revistas de adultos. Continuei sendo, sempre, o último da fila. Mania! Ficava amasiado - até chegar a minha vez - numa poltrona de couro - reclinável - “espiando” o mundo nas velhas e antigas revistas de sempre. Adorava as revistas de “mulher pelada”. Não me lembro de ter visto, por lá, quadrinhos do X-Man, do Homem-Aranha e muito menos do Capitão América. Tenho memória seletiva. Quer uma prova? Não esqueço – até hoje - da cara de pavor e medo do Zezinho, o torturador, quando coloquei a ponta da faca na sua braguilha. "Deus do Céu!", gritou.    

João Scortecci