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ELOQUÊNCIAS MITOLÓGICAS NA MADRUGADA DE HIGIENÓPOLIS


Acordei – gritaria danada na rua – com um “pega, pega!” verbal, com xingamento e tudo, entre Calíope, a musa da eloquência, e Erato, a musa da poesia lírica. Falatório dos demônios. Abri a janela e lá estavam elas. Pilhadas, compartilhando memórias e a vida alheia. Falavam mal da belíssima Terpsícore, musa da dança e da sedução. O que será que Terpsícore teria aprontando? Pensei. Grudei as orelhas na madrugada e me pus, a ouvir, os gemidos da história miúda. “Musa” é figura feminina da mitologia grega, fonte de inspiração nas artes e nas ciências. Na Grécia antiga, eram nove as musas: Terpsícore (dança), Erato (poesia lírica), Euterpe (música), Polímnia (música sacra), Melpômene (tragédia), Tália (comédia), Calíope (Eloquência), Clio (História) e Urânia (Astronomia). Eram filhas de Zeus com Mnemosine, a memória, e habitavam o templo Mouseion. No pega-pega mitológico, Calíope, falava mais. Parecia uma matraca afiada! Cuspia flechas de fogo na pobre da Terpsícore. Erato, mais reservada, argumentava ali e acolá, concordando sim ou não, com Calíope. Fofocavam! Depois de quase uma hora de “escuta clandestina” e de perder o sono, pude, finalmente, descobrir o motivo da briga entre as musas. Estavam invejosas, com a notícia da escolha, de Terpsícore, a musa da dança, pelo imperador Ptolomeu I, para uma apresentação especial, na festa de inauguração do Museu de Alexandria, no lendário complexo da Biblioteca de Alexandria. Conversando com Aristarco de Samotrácia, diretor do museu, soube – a título de curiosidade – que a palavra “museu” tem sua origem na palavra “musa” e que o imperador Ptolomeu I, responsável pela construção do complexo, não foi o responsável ou culpado direto pela escolha de Terpsícore. A deixa – contada pelo próprio Aristarco de Samotracia – coube a Demétrio de Faleros, um influenciador de Ptolomeu I e, possivelmente, um enamorado platônico da musa da dança. É o que falam. É o que dizem. Vez por outra, escuto gritarias e brigas, na janela do quarto de dormir. Durante um bom tempo, uma viatura policial, fazia plantão noturno,  em frente. O danado do rádio da viatura tagarelava - noite inteira. A luz do giroflex - vazando nas frestas da janela - ajudava a infernizar o ambiente. Desconfio da Melpômene, musa da tragédia, como responsável pelo caos. Desconfio. Isso depois de interceptar - numa noite estrelada - um bilhete voador, rabiscado no céu, por Urânia, a musa da Astronomia. Dizia: “Malpômene é a culpada. Hoje e sempre!”.