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PADILHA, BELKIS, FRANQUI E CORTÁZAR: CRONÓPIOS DA POESIA

O poeta cubano Herberto Padilla (1932-2000), com a vitória da Revolução Cubana em 1º de janeiro de 1959, foi nomeado correspondente oficial em Nova Iorque, onde residia na época. Em 1962, retornou a Cuba para trabalhar no jornal “Revolución”, publicação oficial do governo cubano, dirigido por seu amigo poeta, Carlos Franqui (1921-2010). Padilla envolveu-se em polêmicas e caiu em desgraça, por defender a criação de um comunismo que valorizasse ideias como as da filosofia existencialista do francês Jean-Paul Sartre (1905-1980). Em 1968, Franqui rompeu com o governo cubano ao assinar uma carta condenando a invasão soviética da Tchecoslováquia, deixando, então, Padilha desprotegido e jogado à sorte. Em 1971, Padilha e sua esposa, a poeta Belkis Cuza Malé (1942-   ),foram levados à prisão, acusados de “atividades subversivas” contra o governo revolucionário de Cuba, tendo sido libertados face à forte reação internacional — que reuniu intelectuais, como Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Alberto Moravia, Susan Sontag, Mario Vargas Llosa, Carlos Fuentes, Octavio Paz, Hans Magnus Enzensberger, Juan Goytisolo e Julio Cortázar — e depois de uma retratação pública, assumindo culpa perante um tribunal. Em 1951, aos 37 anos de idade, o poeta e escritor argentino Julio Cortázar (1914-1984), por não concordar com a ditadura na Argentina, quando Perón assumiu a presidência, partiu para Paris, inicialmente por um período de dez meses, mas acabou ficando em definitivo, tornando-se, inclusive, em 1981, cidadão francês. Cortázar é considerado um dos autores mais inovadores e originais de sua época, mestre da história, da prosa poética e do conto e criador de romances importantes que inauguraram uma nova maneira de fazer literatura no mundo hispânico, rompendo com os moldes clássicos, por meio de narrativas que escapam à linearidade temporal. “Histórias de Cronópios e de Famas”, de 1962, é um de seus livros mais intrigantes, que promove uma espécie de reinvenção do mundo, por meio de seus personagens, os cronópios, os famas e as esperanças, os quais alcançam sensibilidade e fascínio, na medida em que traduzem a psicologia humana. Os cronópios, segundo Cortázar, são criaturas verdes, úmidas e distraídas, e sua força é a poesia. Eles cantam como as cigarras, indiferentes ao cotidiano, esquecem tudo, são atropelados, choram, perdem o que trazem nos bolsos e, quando saem em viagem, perdem o trem, levam coisas que não lhes servem. Os famas são organizados e práticos, prudentes, fazem cálculos e embalsamam suas lembranças; quando fazem uma viagem, mandam alguém na frente para verificar os preços e a cor dos lençóis. As esperanças “são sedentárias e deixam-se viajar pelas coisas e pelos homens, e são como as estátuas, que é preciso ir vê-las, porque elas não vêm até nós”. Os poetas — cada um com o seu verso — são cronópios da poesia, que cantam como as cigarras, são atropelados, choram, esquecem tudo, perdem o trem, carregam no coração dores que não lhes servem. Não são organizados, prudentes e tampouco práticos. São errantes! Às vezes, são também como as estátuas — dobraduras de papel —, que é preciso ir vê-las, porque não vêm até nós. Os cronópios são criaturas verdes, úmidas e distraídas, que nos habitam, quando somos poesia.

13.02.2022