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AMIGO DA ONÇA, DAVID NASSER E O BODE “CIDADÃO INHACA”

Bode fedorentérrimo! Catinga de sovaco peludo com cheiro de ovo podre. No ano de 1967 - ainda morando no Ceará e no melhor dos meus 11 anos de idade - fui com o meu pai Luiz Gonzaga conhecer as oficinas da tipografia do Jornal A VERDADE, do seu padrinho Comendador Ananias Arruda, na cidade de Baturité, distante 78 km da capital, Fortaleza. O bode estava “estacionado” na porta da gráfica mastigando literatura. O bode tem nome? Sim. Chama-se Cidadão Inhaca! Um benemérito baturiteense. O que ele está comendo? Livros. E a legibilidade digestiva? Clássicos de escritores cearenses: José de Alencar, Clóvis Beviláqua, Domingos Olímpio, Rachel de Queiroz, Lustosa da Costa, Plácido Aderaldo Castelo, Raimundo Girão, Heráclito Graça e outros. Um erudito regionalista! Não gosta de literatura francesa e nem inglesa. Já provou gibi. Não fez cara de contente. Mastiga - de olhos abertos - e engole com fluência e lucidez. Um cavalheiro das letras! Bode Inhaca é um esfomeado por cultura impressa! Nunca faltou comida? Nunca. A cidade ajuda no que pode. Quando a coisas fica difícil o jeito é afanar alguns exemplares da biblioteca municipal. Os repetidos, claro! Um crime tolerado. Podemos, então, visitar as oficinas da tipografia? Talvez. Primeiro precisamos pingar um agrado para o bode. Dinheiro? Não. Bode Inhaca não gosta de papel moeda. Vomita tudo. Pode ser santinho, bula de remédio, papel de pão, caixa de sapato, sacola, qualquer coisa de papel. E se não pingar o agrado: o que acontece? O bode não deixa entrar na gráfica! Simples assim. Ele morde. E ainda protesta “cagando” o alfabeto inteiro. Quer um conselho? Diga. Melhor não arriscar com a sorte. A merda do bode fede muito. E nesse calor dos infernos um fedorentérrimo pode ser fatal. Tenho aqui comigo um exemplar antigo da revista “O Cruzeiro”. Sei não. Cruzeiro lembra dinheiro e ele pode desconfiar do agrado. Tira a capa e dá o miolo da revista. Começa com a separata do Amigo da Onça (Péricles de Andrade Maranhão, 1924 - 1961) e depois com a seção do David Nasser (1917 - 1980).  O bode Cidadão Inhaca é sensível e esperto. Importante é você manter o santo ofício da legibilidade cultural. E se ele não gostar da oferta? Você corre. 

João Scortecci